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Sheila Neder Cerezetti e Lívia Gil Guimarães

O retrocesso bate à porta do STF

Diversidade não é bônus ou agrado, é dever indelével de nossos representantes

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Sheila Neder Cerezetti
Professora de direito comercial da Faculdade de Direito da USP, é coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudos de Inclusão na Academia (Gpeia-USP)

Lívia Gil Guimarães
Doutora e mestra em direito constitucional (USP), é autora da tese "Mulheres na Composição de Cortes Supremas: Um Estudo sobre a Desigualdade de Gênero"; coordenadora do Gpeia-USP e pesquisadora do grupo Constituição, Política e Instituições (Copi-USP)

Diante da aposentadoria da ministra Rosa Weber, proliferam manifestações favoráveis à indicação de uma mulher ao posto. Nada mais natural, dado o enorme retrocesso que opção diversa representaria.

Até um dia antes de sua aposentadoria, o Supremo Tribunal Federal era composto por 9 homens e 2 mulheres; ou seja, o gênero feminino significava apenas 18,2% da mais alta corte do país. Se a vaga for preenchida por um homem, a porcentagem cairá para 9,1%. Dos atuais 10 integrantes, 1 se autoidentifica como pardo, os demais são brancos. Nunca uma mulher negra compôs o tribunal.

Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário de 2023 no plenario do Supremo Tribunal Federal
Sessão solene de Abertura do Ano Judiciário de 2023 no plenário do Supremo Tribunal Federal - Reprodução/TV BrasilGov

A ausência de indicação de uma mulher reforçaria o fato de que o Brasil está longe de alcançar equidade de gênero, sendo reflexo do descaso do Estado brasileiro em relação à situação de discriminação a que mulheres e meninas estão submetidas diariamente. É sob o prisma de evidente subvalorização do gênero feminino —refletida nos índices de violência, desigualdade salarial e diminuta participação em espaços de poder— que deve ser discutida a presença de ministras no STF.

O debate deve centrar-se no imperativo de uma sociedade mais justa e igualitária, em que a exclusão de determinados grupos sociais seja constantemente rechaçada e combatida. Inexiste justificativa plausível para que homens sigam em pujante maioria nos altos postos públicos.

Por uma questão de igualdade distributiva e de reconhecimento, mulheres devem ter a oportunidade de contribuir ativamente nos espaços de tomada de decisão que dizem respeito às questões mais fundamentais da sociedade. Pensar diferente disso apenas revela o profundo descompasso do Brasil com instrumentos internacionais como a Cedaw (Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher) e o objetivo 5 da Agenda 2030 da ONU. Não podemos mais faltar com atenção à necessidade de combater preconceitos e discriminações que persistem na trajetória de mulheres.

Os marcadores sociais da diferença "raça" e "etnia" não devem ser entendidos como acessórios nessa análise: o Brasil historicamente secundarizou o exercício da cidadania de pessoas negras e indígenas, porque subalternizou-as em um projeto político e econômico. Na ótica interseccional, gênero e raça despontam como fatores de discriminação indevida e representam preconceitos e vivências de exclusão na dinâmica histórica brasileira.

Em perspectiva comparada, o Brasil possui posição bastante fragilizada. A ocupação feminina de apenas um assento no Supremo colocaria o país em penúltimo lugar na lista daqueles com maior desigualdade de gênero em cortes supremas da América Latina, à frente apenas da Argentina, segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Isso sem falar na comparação, por exemplo, com Canadá e Estados Unidos, em que mulheres ocupam 44,4% desses espaços.

Em 2022, esses países acompanharam inéditas indicações de juízas de suprema corte que levaram em consideração os marcadores sociais da diferença etnia e raça em intersecção com gênero. No caso canadense, houve a primeira mulher oriunda de povos originários e, nos EUA, a primeira mulher negra. Vê-se que as discussões sobre maior diversidade em cortes estão em pauta, especialmente em momentos de necessária oposição ao obscurantismo.

Perdemos reiteradamente oportunidades de melhorar os números nacionais e de favorecer a igualdade com as últimas indicações de homens brancos ao STF. Diversidade não é bônus ou agrado; é dever permanente de nossos representantes, assim como o é o combate às desigualdades impregnadas nas estruturas das instituições estatais e privadas deste país.

A indicação de uma mulher progressista é ato inegociável de promoção da participação de brasileiras na vida pública. É a única medida aceitável se não quisermos compactuar com o gritante retrocesso que se avizinha e que poderá durar longos cinco anos até a próxima aposentadoria. Opções qualificadas não faltam ao presidente Lula.

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