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Luiz Guilherme Piva

Os shoppings e o e-commerce

Com o formato atual, templos do consumo caminham para a derrocada

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Luiz Guilherme Piva

Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de “Ladrilhadores e Semeadores” (Editora 34) e “A Miséria da Economia e da Política” (Manole)

O comércio de rua não desapareceu, mas diminuiu enormemente (em muitos locais, houve mesmo desertificação) com o advento dos shoppings, cujas segurança e concentração de produtos, serviços, lazer e interação social impactaram hábitos de consumo e muitas outras esferas.

Ruas e bairros perderam e ganharam valor, trânsito e vias públicas foram alterados, o perfil dos comerciários mudou, produtos de investimento imobiliário se sofisticaram, a construção civil abriu nichos, maquininhas de cartão proliferaram. Os elevados custos dos lojistas com despesas fixas foram, é óbvio, repassados para os consumidores, processo facilitado pela arquitetura, que os cativa (nos dois sentidos) e excita. Pensem no preço do café, o mesmo praticado nos aeroportos, por motivos parecidos.

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Lojas de roupas em shopping de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress - Folhapress

Hoje está em curso um grande crescimento do e-commerce. Houve impulso com a pandemia, mas o incremento é alto desde 2018 no mundo todo. No Brasil, em 2022 o salto anual foi de 24% em número de consumidores, com faturamento de R$ 262 bilhões, ante R$ 53,4 bilhões em 2018, conforme a Nielsen|Ebit. No mesmo período, o faturamento dos shoppings ficou praticamente estável e fechou 2022 em R$ 191,8 bilhões, segundo a SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo). As projeções são de crescimento anual nesse mesmo patamar nos próximos anos, acima da média mundial (11,35%) e do previsto para países como Japão (14,7%) e EUA (14,5%).

A julgar pelo que se deu com a digitalização dos bancos, cujos templos arquitetônicos hoje se resumem —fora os totalmente virtuais— a poucas lojinhas (um vigia, dois terminais sem cédulas e três agentes de consignado), e cujos ganhos se multiplicaram porque a tecnologia fez de todos nós, usuários, sua mão de obra gratuita (assim como nos casos de viagens, comida, ingressos etc.), os shoppings estão caminhando para a derrocada no seu formato atual.

O e-commerce, com as facilidades que oferece para o consumidor —aqui também trabalhando de graça no lugar do comerciário—, se espalha como uma barragem ruindo sobre os futuros elefantes brancos em que hoje compramos, nos encontramos, frequentamos (pouco) cinema e tomamos café caro.

Como manter os aluguéis, os funcionários, o condomínio, o estoque, a decoração das lojas e vitrines, os equipamentos de exposição, de venda e de pagamento e tudo o mais que está alojado nesses monumentos se é possível cativar (quase sem porta de saída) os compradores (de produtos do mundo todo!) e excitar sua compulsão com a rapidez dos polegares opositores (que nos trouxeram das cavernas até aqui) no celular? Em alguns casos, já é possível até simular o uso de produtos e provar roupas em cenários virtuais.

Imaginem, nesse horizonte, o que será de ruas e bairros, de produtos financeiros imobiliários, da construção civil, do trânsito, das vias, das maquininhas, dos cinemas (Tudum!), do lazer, dos empregos —enfim, deverá ser o mesmo que já ocorre em várias áreas, só que com o peso sísmico de mastodontes indo para seus cemitérios.

Claro, outras atividades econômicas crescem e crescerão: armazéns, logística, transporte, combustíveis, entrega, embalagens etc. Outras riquezas e pobrezas, lazeres, costumes e valores vão surgir. Talvez até inventemos novas formas de interação social. Agora, tomar café caro, só indo ao aeroporto.

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