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Robert Post, Reva Siegel, Taís Penteado e Lucía Baca

Com aborto, STF pode reafirmar sua luta pela igualdade de gênero

Descriminalização é essencial para a proteção da saúde e da vida das mulheres

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Robert Post

Professor de direito na Yale Law School

Reva Siegel

Professora de direito na Yale Law School

Taís Penteado

Pesquisadora visitante na Yale Law School e doutoranda na FGV Direito SP

Lucía Baca

Cursa o último ano da faculdade de direito da Yale Law School

O Supremo Tribunal Federal começou o julgamento da ação que questiona a constitucionalidade da criminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. A ministra Rosa Weber proferiu voto a favor da descriminalização e, agora, os outros ministros deverão opinar.

Rosa Weber na cerimônia de posse de Luís Roberto Barroso como presidente do STF - Ueslei Marcelino - 28.set.23/Reuters


Nas últimas duas décadas, o STF assumiu a liderança na defesa de direitos fundamentais no Brasil. Diante de poderosa oposição, a corte protegeu grupos vulneráveis, tomando decisões sobre uniões homoafetivas, ações afirmativas e direitos de sobreviventes de violência doméstica, entre tantas outras. Mas a descriminalização do aborto é um desafio de outra ordem, que aguarda resolução há anos.

O julgamento da ação foi retomado em um momento de expansão da chamada "onda verde" na América Latina. O movimento, caracterizado pelo uso de bandanas verdes por parte de defensoras e defensores dos direitos reprodutivos, se intensificou após mudanças legislativas e decisões judiciais que descriminalizaram o aborto na Argentina, na Colômbia e no México. Uma decisão favorável do STF será um ponto de virada para todo o continente e reafirmará a liderança da corte na luta pela igualdade de gênero.

Como reconheceram os tribunais da Colômbia e do México, a criminalização do aborto na América Latina reflete padrões históricos de discriminação de gênero. A atual proibição do aborto no Brasil carrega em seu DNA o estereótipo de que o papel último das mulheres é a reprodução, o que é incompatível com a vida democrática atual.

De acordo com a Constituição brasileira, mulheres têm o direito de participar da vida pública da nação. No entanto, a concretização da cidadania plena só ocorrerá quando mulheres puderem controlar suas decisões reprodutivas. É por essa razão que o voto da ministra Rosa Weber situa a descriminalização do aborto na ampla e consolidada jurisprudência do STF que resguarda a igualdade de gênero.

Além de ser necessária para o alcance da igualdade, a descriminalização do aborto serve o propósito de proteger a vida. A experiência de países onde o aborto não é criminalizado mostra que a descriminalização leva à redução das taxas da prática do aborto. Tal como reconheceram os tribunais da Colômbia e do México, há muitas formas de proteger a vida fetal além do direito penal. O Brasil poderia, por exemplo melhorar o acesso à contracepção e apoiar mulheres que desejam ter filhos, oferecendo serviços sociais necessários.

Além disso, a descriminalização é essencial para a proteção da vida e da saúde de mulheres —especialmente das mais vulneráveis. Procedimentos clandestinos acarretam complicações de saúde, hospitalização e morte —o que pode ser evitado com o oferecimento de procedimentos seguros e acessíveis. Em um lugar seriamente comprometido com a vida, a criminalização deve ser uma estratégia de último recurso, não a primeira.

A descriminalização do aborto não expressa a aprovação da prática do aborto. Ao dar esse passo, o Brasil não estaria abandonando seu compromisso com a vida fetal, mas, sim, renunciando ao uso da força bruta para obrigar as mulheres a tornarem-se mães. A dignidade não exige menos do que isso.

A descriminalização do aborto seria um marco nos esforços notáveis do STF na sustentação dos valores democráticos. Representaria também a solidificação da liderança da América Latina em questões de gênero. Mas, mais do que isso, teria um impacto sem igual na vida de milhões de mulheres e pessoas que engravidam e na de suas famílias.

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