Por muito tempo meu sobrenome era "negra". O que quero dizer é que me chamavam, e ainda me chamam, apenas como "a empresária negra". Ou então "a investidora negra". Esquecem que eu também tenho nome e sobrenome.
Os convites que chegam à minha caixa de e-mail são para participar de eventos, entrevistas e podcasts focados exclusivamente na minha experiência como uma pessoa negra em espaços que ocupo.
Apesar de dominar outros assuntos, sei da importância de ser uma investidora que também é uma mulher negra em um ecossistema que, segundo a pesquisa "O perfil dos investidores-anjos no Brasil", realizada pela Anjos do Brasil, organização que fomenta o investimento anjo, a maioria dos investidores-anjos brasileiros são brancos (86%), com 6,6% se declarando pretos, pardos ou indígenas e 5% amarelos.
Quando o assunto é gênero, estamos falando de 18% de mulheres (2023). Quando falamos de mulheres negras investidoras, os dados são quase inexistentes.
Então, por isso, aceito falar.
A diversidade é tímida nesse ecossistema. E, por ser tímida, há quem acredite que exista uma única forma e estratégia de fazer investimento em negócios. Quando comecei a desenhar a minha tese de investimento, considerei principalmente dois fatores: a percepção da sociedade sobre a posição que ocupo e os dados.
Sobre a percepção de dezenas de pessoas, sou apenas mais uma garota jovem e negra que não sabe o que está fazendo. Para essas pessoas, quem sabia mesmo o que estava fazendo era o JP Morgan quando comprou por US$ 175 milhões a startup de Charlie Javice, mas que acabou processada um ano depois porque havia mentido sobre o tamanho do seu negócio, inventando 4,5 milhões de clientes.
Sobre dados, o "ESG Report 2023", do Distrito, aponta que nos últimos 13 anos as startups brasileiras de ESG levantaram um total de US$ 2,43 bilhões em 501 rodadas de investimento. Séries B e C representam 58% do volume de investimento. A pesquisa da Humanizadas demonstra que as startups que integram o ESG ao negócio são 33% mais ágeis para propor soluções aos desafios apresentados, 43% mais inovadoras, envolvem 23% mais o público interno e 20% mais diversas e inclusivas. Quando fazemos o recorte das favelas, o potencial de consumo chegou a R$ 167 bilhões em 2022 (Outdoor Social Inteligência, 2022).
Tudo isso para dizer que os investidores escolhem sua tese de investimento. A minha, por exemplo, considera negócios de base tecnológica para cheques de até R$ 1 milhão por empresa —e com, no mínimo, 30% do C-Level [executivos seniores], ou fundadores formados por grupos sub-representados, e cap table [tabela de capitalização] acima de 80% entre os fundadores.
Agora que estou como investidora no maior reality show de empreendedorismo do mundo ("Shark Tank Brasil"), onde há quem acredite que o melhor negócio é quando o investidor consegue ter 50% ou mais de uma empresa, é um desafio explicar que cada investidor tem um perfil. Se eu não fosse investidora-anjo, em que os primeiros cheques são meus, talvez eu acreditasse nisso. Ou melhor: se eu não soubesse que é necessário preservar o cap table da empresa e não comprometer a capacidade da companhia de atrair investimentos futuros em próximas rodadas, eu acreditaria nisso.
Esperam que uma investidora negra atue da mesma forma que a maioria dos investidores-anjos brasileiros que são brancos. Esperam que a bagagem pessoal, o letramento racial e a jornada profissional até chegar o momento de se tornar investidora sejam ignorados. Esperam que as lentes de diversidade e ESG não existam. Esperam que uma investidora negra não saiba o que está fazendo. E acreditam que uma investidora negra investe apenas pelo propósito, não pelo retorno do investimento. Mas como bem mostrei nos dados, há retorno de investimento. É sobre dinheiro também.
E, no final, o que vale é a seguinte citação de Ralph Waldo Emerson: "A maior das conquistas é ser você mesmo em um mundo que está constantemente tentando transformá-lo em algo que você não é".
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