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Viés de seleção

Hipertrofia do STF, onde atua também procurador-geral, incentiva sua politização

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Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Flávio Dino (PSB-MA), ministro da Justiça - Evaristo Sá/AFP

Pesquisadores por vezes deparam com desequilíbrios em suas amostras estatísticas, quando elas apresentam um perfil demográfico distinto do da população a ser representada e estudada. A essa anomalia se dá o nome de viés de seleção.

Entre as causas do problema costumam estar estímulos que concorrem para o recrutamento desproporcional de certos grupos. Mutatis mutandis, o processo de escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal padece de viés de seleção.

Acercam-se da nomeação mais pessoas enredadas no jogo da política partidária —e na teia das relações pessoais do presidente da República— do que seria desejável para a arquitetura institucional.

Não foge a essa regra a indicação do titular da pasta da Justiça, Flávio Dino (PSB-MA), para a vaga aberta pela aposentadoria de Rosa Weber, após quase dois meses de imotivada demora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Embora egresso da magistratura federal, Dino há mais de 15 anos dedica-se apenas à política. Chefiou a Embratur na gestão Dilma Rousseff, elegeu-se governador do Maranhão em 2014 e conquistou um novo mandato quatro anos depois.

Se for aprovado pela maioria dos senadores, será o primeiro ex-governador a atuar como ministro do tribunal constitucional brasileiro. Não foi por seus atributos judicantes que foi ungido por Lula.

Numa corte cujos integrantes tiveram poderes e influência hipertrofiados nos últimos anos, tudo conspira para que a fidelidade ao grupo político e à pessoa do presidente que faz a nomeação salte à frente como critério de indicação.

Basta comparar com as escolhas da primeira passagem de Lula pelo Planalto para notar como a lealdade política tornou-se requisito preponderante. Passaram para o segundo plano as preocupações com a qualidade da obra jurídica e a diversidade de gênero e de origens sociais dos candidatos.

Também se tornou menos mediada a escolha do procurador-geral da República. O nomeado de Lula, Paulo Gonet, não constava de nenhuma lista votada por seus pares. Emergiu de obscuras e intensas pressões de bastidores das quais não se furtaram ministros da corte suprema. A parte que julga fez lobby para definir a parte que acusa.

Desse modo a politização na cúpula da operação do Direito no Brasil tende a se perpetuar. O sistema seleciona vocacionados para a defesa de um líder político, os escolhidos na corte atuam desabridamente para ampliar suas prerrogativas, e os líderes do futuro são estimulados a indicar quem os proteja.

Desvirtua-se nessa espiral de disputa por poder o papel precípuo do Supremo, que é o de arbitrar com equidistância e fidelidade à Carta as disputas cruciais da República.

editoriais@grupofolha.com.br

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