Descrição de chapéu
Fabio Mariano da Silva e Tulio Custódio

Homem negro adere à armadilha da branquitude

Quando submetidos à violência, perdemos todos

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Fabio Mariano da Silva

Pesquisador de gênero e masculinidades, é formado em direito e doutor em ciências sociais (PUC-SP)

Tulio Custódio

é doutor em sociologia pela USP, sócio e curador de conhecimento da Inesplorato, pesquisador afiliado do Alameda Institute e membro do conselho consultivo do Pacto Global (ONU) no movimento Salário Digno e Raça é Prioridade

Esta Folha publicou na segunda-feira (4) uma entrevista com Henrique Restier ("Ministério da igualdade Racial hostiliza homens negros, diz sociólogo"). É do campo das ideias as divergências, por isso nos manifestamos.

Políticas públicas têm o condão de suprir demandas para grupos específicos em uma sociedade que vive sob a égide da desigualdade. Diversos grupos se beneficiarão dos resultados dessas políticas, ao passo que toda a população brasileira será impactada. Essas políticas possibilitam o exercício de cidadania entre os que vivem sob as marcas das desigualdades estruturais que nos atravessam, cujos marcadores de raça, gênero e tantos outros estão capturados pelo avanço do neoliberalismo, reprodutor de estruturas de anulação de direitos.

A ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) durante lançamento de programa de bolsas de estudo parar mulheres negras, quilombolas e ciganas - Reprodução / Ministério da Igualdade Racial

Cada grupo será alcançado de maneiras diferentes. Parece paradoxal dizer isso, mas homens negros vivem o exercício da sua cidadania —ainda que não se vejam por meio dela— sem laços de solidariedade, ao mesmo tempo em que a branquitude o faz de maneira assertiva. Onde reside o paradoxo? No fato de que homens negros também reproduzem o modus da branquitude —do "homo europaeus". Eis o nosso desafio! Por universal que se pretende como sujeito, o homem negro adere à armadilha da branquitude; se vê como homem, mas a estratégia é de que não se veja como negro. Aqui lembramos o filósofo Frantz Fanon sobre o negro não ser um homem e pedimos licença para mudar a estratégia de pensamento.

A violência tratada pelo sociólogo na entrevista à Folha abarca uma parte do que vemos pelos números, mas ela é ainda mais ampla quando observamos dados no acesso ao mercado de trabalho por mulheres negras; ou ainda na saúde com a violência obstétrica etc. Não são violências isoladas, mas parte de um processo mais amplo e complexo do que entendemos criticamente por genocídio. Não se trata de criar opressões e disputar violências, mas sim de dizer que, quando somos submetidos à violência —estruturalmente baseada em gênero, raça e classe, entre outros—, perdemos todos.

As mulheres negras refutaram essa realidade de violência e nos fizeram avançar em nossa cidadania, que tem trilhado avanços no campo das políticas de Estado. O Ministério da Igualdade Racial está ancorado na ótica do avanço coletivo, olhar esse que, pelo menos há 40 anos, tem sido base das estratégias e luta perpetradas no campo do ativismo e da intelectualidade por mulheres como Sueli Carneiro, Jurema Werneck e outras. É o caso, por exemplo, do Plano Juventude Negra Viva, que foca na vida de jovens negros, grupo que tem sido alvo sistemático de extermínio pelo Estado. Outras propostas caminham em parceria de outros ministérios, como Direitos Humanos e da Cidadania, Educação, Saúde e Planejamento, à medida que se trata da construção coletiva e transversal das políticas do governo.

É sempre importante lembrar que, apesar de felizmente termos acesso a cada vez mais lugares de representação e contribuições delas, ainda se carece de reconhecimento pelo caminho traçado até o momento. O próprio campo da luta antirracista relutou por muito tempo em reconhecê-las, bem como propor caminhos entrelaçados para desafios que apresentam as dinâmicas raciais no Brasil. Muitos de nós homens negros não temos estabelecidos laços de solidariedade tangibilizados em projetos de médio e longo prazo. E não podemos culpabilizar as mulheres negras que estão assumindo espaços por isso.

Quando a compreensão sobre a concepção de cidadania e de formação como sujeito político alcançar homens negros como grupo, teremos uma revolução tal qual foi proposta pelas mulheres negras —e ganharemos todos. Ajustes táticos podem ser realizados, mas sempre a partir do aprimoramento ao que já tem sido feito e não como maneira de nomeação de categorias em etiquetas ou culpabilizando agentes desse processo. O foco é a superação das condições estruturais que têm sido impostas a grupos subalternizados (dentre eles as pessoas negras; e, dentro disso, os homens negros) e não apenas de reconhecimento narcísico pela etiqueta.

Não se reconhecer como grupo e individualizar críticas é uma das estratégias das políticas neoliberais. E é contra essa ideologia, que se utiliza de mecanismos de violência contra raça, gênero e territórios, que estamos tratando. Vamos, com todas as pessoas envolvidas juntas, superar.

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