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Fernanda Penteado Balera, Daniel Hirata e Gabriel Sampaio

Controle da violência estatal sob ameaça

Desmanche silencioso do programa de câmeras corporais é grave retrocesso

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Fernanda Penteado Balera

Defensora pública do estado de São Paulo, é coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

Daniel Hirata

Coordenador do Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense)

Gabriel Sampaio

Advogado, é diretor de litigância e incidência da Conectas Direitos Humanos

Conforme dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública, 106 pessoas foram mortas por policiais em serviço no estado de São Paulo entre julho e setembro deste ano. Destes, 30 casos ocorreram no curso da chamada Operação Escudo. Deflagrada no litoral com o propósito oficial de oferecer resposta imediata diante da morte de um policial, a operação em questão tornou-se o episódio mais letal da história da polícia paulista desde o massacre do Carandiru, ocorrido há 31 anos.

Diferentemente da versão oficial do governo de São Paulo de que o aumento da letalidade seria justificado pela "ação dos criminosos", nos parece que esse cenário precisa ser analisado levando em conta o desmanche silencioso do programa de câmeras corporais nas fardas dos policiais militares.

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Câmera corporal em farda de policial militar - Bruno Santos - 1º.jul.22/Folhapress - Folhapress

Relatórios baseados em dados e evidências apontavam que o uso de câmeras por policiais, em conjunto com outras medidas adotadas pelas polícias do estado, vinha obtendo resultados promissores no controle do uso da força letal oficial, sobretudo por conciliar o enfrentamento do crime e da criminalidade com diminuição das mortes cometidas pelas forças de segurança —contrapondo-se à falácia que opõe atividades policiais e respeito aos direitos humanos. O uso das câmeras também se demonstrou importante para a proteção dos agentes, colaborando na produção de provas, no aperfeiçoamento de ações táticas e operacionais e, sobretudo, solucionando dúvidas sobre o regular uso da força.

A Operação Escudo foi o ponto de inflexão nessa política que vinha sendo desenvolvida há mais de dois anos no estado e era tida como referência nacional. Não há registro de imagens gravadas pelas câmeras na maioria das mortes provocadas pelas policiais na ocasião —o que, somado à desqualificação de todas as denúncias de violações e cortes no orçamento, reforça a suspeita de que o esvaziamento da política pública tenha relação direta com o aumento da violência institucional patrocinada por autoridades políticas e policiais.

É particularmente importante a utilização das câmeras em operações do tipo. Ocorrendo no limiar da vingança institucional, são essas as intervenções mais desafiadoras ao autocontrole necessário dos agentes públicos que fazem uso da força.

É justamente por isso que a Defensoria Pública e a Conectas Direitos Humanos postularam judicialmente a obrigatoriedade do uso de câmeras no curso de ações dessa natureza, reafirmando o importante papel da ferramenta para a proteção de toda a sociedade e, principalmente, das pessoas negras, pobres e periféricas, suas principais vítimas.

Ao revés de cortar verbas destinadas ao programa Olho Vivo e não admitir os erros ocorridos durante a Operação Escudo, o melhor caminho, a nosso ver, seria que o governo paulista enfrentasse as falhas e incompletudes do uso das câmeras para aprimorar uma política pública que vinha se demonstrando eficaz.

O grave episódio na Baixada Santista demonstrou que a existência do equipamento, por si só, não é suficiente para a efetiva política pública de redução da letalidade policial. É preciso que haja padronização mínima para a implementação da mesma, com a elaboração cuidadosa de diretrizes para sua adoção que levem em conta o necessário controle social das filmagens, seu armazenamento e compartilhamento com Ministério Público, Defensoria e familiares de vítimas, além da implementação de uma efetiva cadeia de custódia e da criação de protocolos do sistema de auditoria, incluindo aqui a divulgação de metadados, dentre outros pontos importantes.

Investir em velhos erros —operações altamente letais em resposta à morte de policiais—, em vez de apostar em ações planejadas, com uso de inteligência e de novas ferramentas que estavam se mostrando efetivas, é péssimo sinal para as políticas de segurança pública. É urgente que se caminhe para maior controle e transparência das operações. Vidas serão preservadas e as instituições, fortalecidas.

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