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O que a Folha pensa aborto

Apetites moderados

Pautas da direita e da esquerda se mexem devagar, o que pode incentivar diálogo

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Sessão de posse dos deputados eleitos, na Câmara - Pedro Ladeira - 1.fev.23/Folhapress

A legislação e a jurisprudência brasileiras eximem de punição o aborto realizado em fetos anencéfalos ou gerados por estupro. Tampouco há pena para a interrupção de gravidez que ameace a vida da mãe.

Há no país quem, como esta Folha, considere esses casos ainda restritivos demais e desalinhados do direito da mulher de dispor de seu próprio corpo. Também existem os grupos que julgam excessivamente liberais as regras vigentes e propugnam por apertá-las.

Para o alívio de uns e a frustração de outros, e vice-versa, a depender do vetor da notícia, a inércia político-institucional do Brasil tem dificultado bastante seja a flexibilização, seja o endurecimento da lei.

Não foi por outra razão que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, decidiu não pautar já a ação que poderia descriminalizar até determinado prazo de gravidez todos os abortos, a despeito da motivação. A reação na sociedade e no Congresso Nacional seria duríssima.

Essa espécie de moderador do apetite político vale em geral para os demais temas da chamada pauta de costumes. Ela raramente dá ensejo a uma nova legislação ou súmula judicial. Nas poucas vezes em que a barreira é rompida, a mudança tende a ser modesta.

Registre-se, a propósito, a fraca produção legislativa da nova direita brasileira nesse capítulo. O movimento logrou eleger o presidente da República em 2018 e multiplicar sua bancada parlamentar em 2022, mas nada de relevante aprovou de sua agenda retrógrada de valores.

A gritaria contra direitos de minorias e pelo armamentismo tem ficado restrita a comissões temáticas da Câmara. O centrão reprimiu a ascensão ao plenário de proposições dessa natureza, repetindo no primeiro ano da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o que fizera na quadra de Jair Bolsonaro (PL).

A força que inibe conversões radicais na política também pode atuar no outro polo do espectro ideológico. Grupos de esquerda que dão primazia a identidades baseadas em gênero, cor e orientação sexual viram-se contrariados por nomeações de Lula no Executivo, Judiciário e Ministério Público.

Por mais exasperante que a tendência à manutenção do statu quo possa parecer aos militantes, ela age ao mesmo tempo como um desestimulador dos atalhos —perigosos na política— e um incentivo à tarefa de convencer os não convertidos, o que requer abertura ao diálogo e à negociação.

Diálogo e negociação têm sido mais frequentes na economia, a ponto de este mesmo Congresso ter aprovado a reforma tributária, superando um impasse de décadas. Nada impede que outros temas possam avançar pelo método do debate e do compromisso.

editoriais@grupofolha.com.br

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