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Renata dos Santos

Caso Braskem: dimensões de um desastre

Acordo com a Prefeitura de Maceió omite assistências fundamentais e deve ser revisto

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Renata dos Santos

Economista, é secretária de Estado da Fazenda de Alagoas

É com absoluto assombro que o mundo assiste ao que está acontecendo em Maceió. O desastre provocado pela empresa Braskem destruiu memórias às margens da lagoa Mundaú, uma das que aludem ao nome do estado de Alagoas.

O capítulo recente dessa tragédia retomou a revolta da maior população deslocada do mundo em tempos de paz. Cinco bairros e cerca de 62 mil pessoas foram diretamente afetados desde 2018. Essa tragédia atingiu toda a Região Metropolitana de Maceió. As dimensões desse crime são imensas. Estudos encomendados pelo governo do estado indicaram um prejuízo de R$ 30 bilhões até 2022.

Moradores afetados pelo risco de colapso do solo na cidade de Maceió, AL, realizam na manhã desta quarta, 6, um protesto contra a Braskem no bairro do Farol
Moradores de Maceió protestam contra a Braskem - Guido Jr. - 6.dez.23/Fotoarena/Agência O Globo - Guido Jr./Fotoarena/Agência O Globo

A questão com a qual temos que lidar é o desespero de famílias e o desterro a que foram obrigadas. Os impactos do desmoronamento ainda não foram medidos, mas a lagoa Mundaú corre sérios riscos de contaminação. A salinização da água trará consequências para o ecossistema, que tem mangues e é fonte de subsistência de quem vive à beira da lagoa. As populações dos Flexais, Vila Saem, Marquês de Abrantes e Bom Parto estão isoladas. Moradores de maior vulnerabilidade social sofrem com a falta de serviços essenciais e não há plano de ação da Braskem.

Especificamente nesses bairros, são mais quase 10 mil pessoas em tais condições, assistidas pelo estado com questões essenciais, uma vez que estruturas fundamentais foram afetadas, como uma estação de água que abastece 400 mil pessoas.

A extensão humanitária deste crime é enorme. São muitos os impactos sociais e urbanos com a desocupação forçada de mais de 14 mil imóveis derivados das relocações e da interrupção de linhas de transporte, escolas, centros esportivos, postos de saúde, do Instituto de Meio Ambiente de Alagoas e do Hospital Psiquiátrico Portugal Ramalho, que precisou ser desalojado e é o único estabelecimento público especializado em psiquiatria no estado.

Além disso, houve uma elevação do índice de suicídios em Maceió e a demanda por atendimento psicossocial aumentou, o que levou o governo alagoano a priorizar essa atenção. O governo estadual e prefeituras da região metropolitana também perderam arrecadação de tributos e taxas, conforme estudos recentes. E, apesar do raio imenso dessa tragédia, o que tivemos até o momento foi apenas um acordo firmado entre a Braskem e a prefeitura da capital.

Em seus termos, ele ignora as populações agora impactadas pelo colapso da mina 18, refletindo de forma insuficiente os deslocamentos da população e deixando de incluir os riscos de ampliação do desastre —que já vinham sendo monitorados. Além de render-se aos interesses corporativos da empresa, o acordo omite assistências fundamentais a vários grupos, sendo absolutamente incapaz de traduzir a integridade das perdas.

Esse acordo deve ser revisto com urgência. As vítimas precisam de justa reparação. O estado e os municípios da região precisam de recursos para reconstruir a infraestrutura que recupere a dignidade das pessoas. Qualquer reparação financeira é incapaz de ressarcir às vítimas impactadas o total de suas perdas, mas é o mínimo que a sociedade espera.

Dados econômicos dão a dimensão do impacto que a Braskem causou em um processo resiliente de Alagoas em promover avanços econômicos, com foco na melhora de indicadores sociais por meio de políticas públicas consistentes (voltadas à redução da pobreza e à inclusão socioeconômica). Os avanços já estavam sendo concretizados, e um crime ambiental freou esse processo.

Há que se destacar que as áreas turísticas da cidade não foram afetadas e não oferecem riscos. Contudo, os viajantes se sentem apreensivos, o que reforça a necessidade de informar que o desastre não afeta os principais pontos turísticos. O turismo é essencial para a sobrevivência de famílias que se prepararam o ano todo para receber um afluxo considerável de visitantes neste verão —e é absolutamente seguro para todos os que queiram conhecer Alagoas.

Esta é uma lição para o Brasil e o mundo, trazendo reflexões para o comportamento corporativo e das respostas do Estado em nome do interesse público.

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