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Mais desgaste no STF

Ministro não deveria poder julgar causa de cliente de cônjuge, como fez Toffoli

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Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal - Fellipe Sampaio/SCO/STF

Continua a pleno vapor no Supremo Tribunal Federal a implosão do legado das operações anticorrupção da década passada. O ministro Dias Toffoli suspendeu multa de R$ 10,3 bilhões aplicada ao grupo J&F no acordo de leniência, firmado em 2017, entre a organização empresarial e o Ministério Público Federal, com chancela da Justiça.

O acordo de leniência é uma espécie de delação premiada para o mundo corporativo. Por meio dele, as companhias cujos executivos confessaram crimes e desfalques se submetem ao pagamento de multas reparatórias e se comprometem a corrigir condutas. O bônus é verem-se livres de processos e embaraços administrativos.

A penada de Toffoli a favor da petição da J&F não causou surpresa. Em setembro, o ministro —ex-advogado do PT indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009— fulminou para efeitos práticos o acordo de leniência da Odebrecht empregando fraseado mais próximo do manifesto político que da linguagem judicial canônica.

Se ainda vigorasse a proibição de magistrados julgarem causas de clientes de seus cônjuges, poder-se-ia antepor algum obstáculo ao desfecho, pois a mulher de Dias Toffoli advoga para a J&F num litígio empresarial. Mas o Supremo derrubou em agosto o veto, e assim se foi a cautela ética para estimular a equidistância em juízos como esse.

A evidenciar estarem mesmo em baixa os pruridos sobre a má repercussão de decisões que expandem os poderes do STF ou atendem a interesses corporativistas, o ministro Toffoli também derrubou uma decisão do Tribunal de Contas da União que impedia o pagamento do obsoleto quinquênio a juízes.

O erário que se vire para esfolar o contribuinte e pagar R$ 870 milhões —o custo estimado da liberação desse generoso presente de Natal— aos doutos integrantes da elite do funcionalismo, luminares de um dos Judiciários mais dispendiosos do mundo, pelo simples fato de terem completado alguns períodos de cinco anos na carreira.

Virar as costas para o sentimento médio da sociedade nem sempre é uma atitude condenável quando se trata de quem deve zelar pela distribuição da Justiça. Muitas vezes é uma exigência para que os direitos individuais sejam protegidos.

O que está se passando com a cúpula do Judiciário brasileiro nesses casos, contudo, não guarda relação com o seu nobre papel contramajoritário. Trata-se de um encastelamento regado a soberba e privilégios e de uma reacomodação explícita com os velhos e corruptos modos de fazer política no Brasil.

Os exageros cometidos no passado, com o beneplácito da corte, a pretexto de combater os crimes do colarinho branco não justificam nem autorizam esse retrocesso.

editoriais@grupofolha.com.br

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