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Terapia de choque

Por decreto, Milei avança em plano arriscado ao tenta revirar economia argentina

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Javier Milei, presidente da Argentina, anuncia pacote de medidas para a economia, em Buenos Aires - Casa Rosada

O megapacote econômico recém-lançado por Javier Milei na Argentina suscitou comparações com o brasileiro Plano Collor, de 1990, o que tem sua razão de ser.

Não se promoveu no país vizinho algo como o confisco da caderneta de poupança e dos demais ativos financeiros, mas sim uma revisão tão ampla quanto brusca do arcabouço normativo a reger as relações entre trabalhadores, empresas e Estado —o que também se fez aqui, em diferentes proporções, há mais de três décadas.

Tornou-se comum no final dos anos 1980 a pregação de que o Brasil, em inflação descontrolada e total desordem orçamentária, precisava de um "choque de capitalismo". É o que Milei tenta fazer agora, em circunstância comparável.

Trocando em miúdos, trata-se de remover controles de preços, subsídios, regras trabalhistas, obstáculos a privatizações, proteções comerciais e outros ditames que esfalfam o erário e impedem ajustes no mercado e no setor público.

É tão extenso o rol de medidas baixadas pela Casa Rosada —mais de 300 leis e normas são revogadas ou alteradas— que não se tem avaliação precisa de seu mérito e alcance. Mas pode-se dizer desde já que o meio empregado é controverso.

Optou-se pela edição de um caudaloso Decreto de Necessidade e Urgência, um instrumento do Executivo para situações de emergência, em vez de buscar antes alguma negociação com as forças representadas no Legislativo.

É a estratégia do choque, como Milei já antecipara em seu discurso de posse, com o argumento de que abordagens gradualistas de ajuste têm falhado no país.

O mandatário parece contar que, apesar dos protestos populares reprimidos e das resistências no Parlamento, todos previsíveis, parte considerável do pacote acabará preservada, uma vez que a situação da economia de fato é dramática.

Os riscos são óbvios —e aqui não se fala do exemplo extremo de Fernando Collor, que não concluiu o mandato. Inexiste saída indolor para a Argentina, mas o caminho será mais difícil para um presidente sem apoio do Parlamento e impondo medidas amargas às dezenas.

O país padece com inflação na casa de 160% em 12 meses, governo deficitário e sem crédito, falta de reservas em dólar e recessão. Essa é a herança de um populismo de esquerda que desdenhou dos limites orçamentários.

A sensatez recomenda entendimento político mínimo em torno das medidas mais prementes para o controle dos gastos e da inflação. É justamente nisso, porém, que a Argentina tem falhado há anos.

editoriais@grupofolha.com.br

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