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Luiz Guilherme Piva

A Lei das Estatais e a governança

Regramento falha justamente porque abriga a rejeição deletéria à política

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Luiz Guilherme Piva

Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de “Ladrilhadores e Semeadores” (Editora 34) e “A Miséria da Economia e da Política” (Manole)

Os economistas e cientistas políticos do mainstream (uma espécie de senso comum produzido em laboratório) odeiam a política. Rejeitam o Estado, os políticos e as políticas públicas. E idolatram o mundo corporativo privado, os empresários, o planejamento estratégico e a ESG. Esta sigla, que abriga a trindade dos aspectos ambientais, sociais e de governança, então, é capaz de fazê-los postar as mãos e saudar o Deus que habita o coração das corporações que a ostentam nos demonstrativos, mesmo que seja só um selinho.

O Espírito Santo é a letra "G", de governança, que, no setor público, se consubstanciaria na Lei das Estatais (lei 13.303/16), cujo principal mérito, creem, seria o de afastar os políticos das empresas ligadas ao Estado.

SEDE DA PETROBRAS
Sede da Petrobras, no Rio; governo Lula modificou estatuto e facilitou indicações políticas na estatal - Fernando Frazão/Agência Brasil - Fernando Frazão/Agência Brasil

A Lei das Estatais, no entanto, falha justamente porque abriga a rejeição deletéria à política —além de se sobrepor, desnecessária e exageradamente, às restrições já existentes, como a lei 6.404/76 e várias normas da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central. E há outros problemas.

O requerimento de que apenas profissionais desvinculados da política exerçam a administração das estatais amplia o dilema do agente-principal, pelo qual o primeiro, que deveria representar os interesses do segundo, atua na verdade em seu próprio interesse, distante e mesmo contrário àqueles. Isso pode ocorrer em qualquer estrutura de governança, mas é muito pior quando administradores da organização nada têm a ver com os objetivos e compromissos dos seus proprietários.

No caso de empresas estatais, cuja propriedade é pública, é razoável supor que o mandato concedido pelos eleitores a um governo (renovável ou revogável a cada eleição) tenha relação com o programa que foi apresentado na campanha. Se as estatais podem cumprir papel importante na consecução desse programa, de forma legal, transparente e sujeita às cobranças e penalidades usuais, que o façam. A indicação de conselheiros e gestores capacitados que tenham vinculação com esse programa, sejam eles políticos ou não, é legítima e até recomendável (mas cabe, sim, coibir a mera compensação salarial e partidária).

O que ocorre atualmente? A Lei das Estatais criou um mercado privado de conselheiros "independentes", bem remunerados, que povoam as cadeiras das maiores estatais e não têm compromisso com qualquer diretriz governamental nem com os objetivos das empresas, só com seus CPFs. Veem-se, assim, os mesmos nomes transitando em várias empresas e exercendo sua independência e seu notório saber da forma mais "profissional" que podem: na maioria das votações, abstêm-se ou votam contra as proposições do controlador (Estado).

A determinação de que profissionais de origem política não exerçam postos de governança corporativa não seria cabível nem para as empresas privadas. Muitas delas nomeiam pessoas gabaritadas oriundas do mundo político, ao lado de profissionais de mercado comprometidos com os objetivos da empresa, e essa combinação faz todo o sentido. Seria absurdo condenar tal possibilidade. As restrições da Lei das Estatais tampouco trariam ganho ao mundo privado.

Debater governança como forma de atingir de forma legal, qualificada e transparente os objetivos das empresas estatais e privadas —eis um bom tema para economistas e cientistas políticos.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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