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Alberto Zacharias Toron, Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini

A saída temporária de presos deve acabar? NÃO

Instituto apresenta inegáveis qualidades, inclusive na queda da reincidência

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Alberto Zacharias Toron

Advogado criminalista e doutor em direito penal (USP), é professor de processo penal (Faap), conselheiro federal da OAB e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

Gustavo Junqueira

Defensor público em de São Paulo, é professor e doutor em direito penal (PUC-SP)

Patrícia Vanzolini

Advogada, é presidente da OAB-SP; mestre e doutora em direito penal e professora de direito penal (PUC-SP)

O assassinato de um sargento da PM em Minas Gerais por um preso em regime de saída temporária aumentou a pressão pelo seu fim. A verdade é que se trata de um fato isolado. Há muita desinformação sobre o tema e falso alarme, como mensagens que recebemos às vésperas do Natal sobre o perigo com o "excesso de marginais" nas ruas.

Esta Folha revelou, na segunda-feira (15), que mais de 95% dos presos voltam para a cadeia quando cessa o período que lhes é concedido para passar com a família. É mínimo o número de casos em que ocorre a prática de crimes durante as chamadas "saidinhas".

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Pátio para banho de sol do presídio federal no Complexo da Papuda, no Distrito Federal - Pedro Ladeira - 20.dez.2017/Folhapress - Folhapress

Portanto, não há fundamento real para a supressão do instituto em vigor desde 1985 na Lei de Execução Penal, a não ser por uma velha e equivocada tentativa de se resolver o problema da criminalidade pelo caminho que aparentemente é mais fácil, mas igualmente enganoso: aumentar penas e endurecer o tratamento penitenciário. Essa postura pode até render votos e aumentar os índices de audiência, mas é ineficaz.

Cornelius Prittwitz, professor de criminologia na Universidade Goethe, de Frankfurt, adverte em suas aulas: não há uma relação de causa e efeito tão simplista como quem aumenta a dose de um analgésico para diminuir a dor e pensa que aumentando as penas, e agravando o cumprimento destas, irá diminuir a criminalidade. O Brasil já tentou isso com a Lei dos Crimes Hediondos, em 1990, e não funcionou.

Os estupros e sequestros não diminuíram com o aumento das penas e a imposição do regime integral fechado. Mas a atuação mais eficaz da polícia praticamente extinguiu a indústria de sequestros com reféns no cativeiro havida nos anos 1990. O número de estupros, a despeito da lei mais dura, até aumentou. Vale dizer: a lei, por si só, não atua com eficácia se não for acompanhada da atuação de outras instâncias sociais (família, escola, trabalho, religião etc.) e estatais (polícia, acesso ao ensino, condições de habitação etc.).

Afora o mais, é importante lembrar que só pode gozar do benefício o preso que, além do bom comportamento, já esteja no regime semiaberto. Ou seja, é o preso que, a rigor, pode sair para trabalhar durante o dia e tem o dever de voltar ao cárcere ao anoitecer; é o mesmo preso que pode sair para estudar, inclusive à noite, e depois retornar ao estabelecimento prisional.

Enfim, para esse preso, que tem bom comportamento, trabalha e eventualmente também estuda, a "saidinha" representa um complemento humanizador da pena, não um perigo social. Além do mais, o detento é colocado nas ruas com tornozeleira eletrônica, o que aumenta o controle de suas atividades.

A verdade é que o instituto da saída temporária apresenta inegáveis benefícios sociais, especialmente na redução dos altos índices de reincidência. Ao proporcionar ao apenado sua gradativa inserção no meio social e, sobretudo, reforçar os laços familiares, revela-se como um importante instrumento de "eficácia do processo de acolhimento social" (Rodrigo Roig, "Execução Penal: teoria crítica"), além de reforçar o cumprimento das regras prisionais e sociais para a obtenção de novos benefícios.

A filosofia da execução penal está ancorada na ideia de se proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, de se permitir sua humanização, sua proximidade com a vida fora do cárcere, sem ser lançado "do 8 para o 80" de forma abrupta.

Os benefícios pessoais e sociais do instituto, que já vigora há quase 40 anos, não são poucos —e não é por acaso que a esmagadora maioria dos especialistas o defende.

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