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Justin Talbot Zorn

Cooperação Brasil-EUA sobre o clima deve ir além da Amazônia

Está na hora de o governo Biden admitir que o Brasil precisa ter êxito como potência industrial verde

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Justin Talbot Zorn

Assessor sênior do Centro para Pesquisas Econômicas e Políticas em Washington; ex-diretor legislativo de três congressistas dos EUA, é assessor de coalizões e startups focadas no clima

Ao entrar no último ano de seu primeiro mandato na Casa Branca, a maior conquista legislativa de Joe Biden é clara. A lei de políticas industriais e climáticas do presidente dos Estados Unidos, chamada Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), deverá gerar, segundo projeções atuais, US$ 1,2 trilhão em investimentos verdes e até 45% de redução nas emissões de dióxido de carbono na próxima década. Esse avanço é uma boa notícia para a economia norte-americana e para o meio ambiente global.

Mas, para o Brasil, a lei é uma bênção duvidosa.

Se o regramento trará grandes reduções no custo de tecnologias limpas, ele é construído em torno de incentivos fiscais para atrair manufaturas verdes para os EUA às custas de outras economias industriais, incluindo o Brasil. Os EUA criaram exceções especiais para o Japão e estão explorando privilégios semelhantes para países da União Europeia. Mas, até agora, houve pouca discussão substancial sobre como os EUA e o Brasil podem se associar em tecnologia e indústria verdes.

Isso pode e deve mudar.

O presidente Lula se encontra com John Kerry, representante dos Estados Unidos na COP27, a Cúpula das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Sharm El-Sheik, no Egito - Ricardo Stuckert/Divulgação

O enviado especial cessante para o clima de Biden, John Kerry, emitiu recentemente uma declaração conjunta com o ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad, e um endosso oficial ao ambicioso Plano de Transformação Ecológica do governo Lula. O que foi único na declaração de Kerry é que ela expressou que os EUA têm interesse estratégico básico na liderança climática do Brasil não apenas quanto à prevenção do desflorestamento na Amazônia, mas também ao desenvolvimento e adoção de novas tecnologias climáticas, inclusive a descarbonização de indústrias pesadas.

Está na hora de os EUA admitirem que precisam que o Brasil tenha êxito como potência industrial verde.

Para o bem de seus objetivos climáticos, o governo Biden não quer ver o Brasil se tornar uma economia dependente do petróleo, movendo-se na direção da Opep com a exploração de sua camada do pré-sal. Do mesmo modo, os EUA precisam de parceiros comerciais amigáveis no hemisfério ocidental para recursos que vão de minerais críticos para baterias de veículos elétricos e recursos futuros, como hidrogênio verde para navegação e indústria sustentáveis. E o governo Biden —sempre atento para sua crescente competição econômica com a China— deveria querer que o Brasil tenha êxito como uma economia moderna industrial forte, e não um exportador de matérias-primas agrícolas para o outro lado do Pacífico.

Para fazer o governo Biden investir na futura indústria verde do Brasil, o governo Lula deve pressionar ativamente por uma parceria mais profunda. Por causa da necessidade urgente do desafio da descarbonização, o Brasil pode justificar laços mais firmes sem abandonar seu compromisso com o multilateralismo e o Sul Global.

Isso pode começar com a Lei de Redução da Inflação. De fato, é improvável que os EUA e o Brasil assinem um acordo em grande escala nas linhas do que o governo Biden se comprometeu com o Japão. Mas, de todo modo, há alguma possibilidade de expandir o que o governo Biden passou a chamar de "friendshoring" (colaboração entre empresas de países vizinhos ou com laços culturais e linguísticos próximos, em oposição a "offshoring").

Os Estados Unidos podem e devem começar a desenvolver listas de produtos e recursos —como minerais críticos para baterias— de que precisam dos parceiros comerciais e quais parceiros são capazes de fornecê-los. Países do hemisfério ocidental que estão levando a sério a crise climática e também priorizando questões de direitos humanos e trabalhistas —como o Brasil, a Colômbia e o Chile— devem ser os principais parceiros nessas listas.

O governo Lula deveria pressionar para que as agências de desenvolvimento dos EUA —incluindo a Corporação para Desenvolvimento de Finanças, a Corporação de Desafio do Milênio e o Export-Import Bank— priorizem o Brasil ao oferecer empréstimos, garantias de empréstimos, investimentos patrimoniais e seguro contra riscos para projetos focados no clima.

Finalmente, o Brasil deveria apostar sua reivindicação como líder emergente em inovação de tecnologia climática, expandindo a parceria em pesquisa e desenvolvimento com os norte-americanos. Durante décadas, EUA, China e União Europeia, entre outros, financiaram e operaram conjuntamente projetos como o Reator Experimental Termonuclear Internacional (Iter), a Estação Espacial Internacional e o Projeto do Genoma Humano. O Brasil hoje tem uma cena vibrante de startups de tecnologia climática e novas organizações de pesquisa, como o Instituto Serrapilheira, que estão colocando o país no mapa como um motor de P&D (pesquisa e desenvolvimento). Com o Brasil em condições de ser um líder no desenvolvimento de tecnologias como hidrogênio verde —uma inovação essencial para a navegação de baixo carbono e materiais de construção—, Brasília deveria iniciar novas parcerias de pesquisa com Whashington.

Oitenta anos atrás, durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos garantiram o apoio do Brasil às potências aliadas oferecendo ao presidente Getúlio Vargas importante assistência no desenvolvimento da base industrial do país. Hoje, quando Washington precisa reforçar alianças e abordar a crise existencial da mudança climática, o presidente Lula deveria incentivar os EUA a adotarem uma estratégia semelhante.

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