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André Lajst e Sabrina Abreu

O encolhimento da diplomacia brasileira

Apoio à acusação da África do Sul de que Israel comete genocídio é lamentável

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André Lajst

Cientista político, é presidente-executivo da StandWithUs Brasil e doutorando em ciências políticas e sociais com foco no processo de paz palestino-israelense (Universidade de Córdoba, Espanha)

Sabrina Abreu

Diretora de Comunicação e Cultura da StandWithUs Brasil

O Brasil sempre se orgulhou da sua diplomacia, sendo respeitado e admirado por todo o mundo. O nosso país tem relações internacionais com praticamente todos os Estados reconhecidos, e nossos diplomatas sempre foram considerados alguns dos mais bem treinados. Essa imagem histórica, porém, está sendo questionada.

Nos últimos anos, temos visto um crescimento alarmante da polarização política e da ascensão de políticos populistas e antidemocráticos que têm dividido sociedades inteiras. Nesse contexto, o mundo livre tem a obrigação, como muitos países já o fazem, de escolher o lado da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. O governo Lula, contudo, tem ido na contramão ao fazer declarações desastrosas e comparações inapropriadas, atraindo para si uma avalanche de críticas de setores da esquerda moderada e de grande parte da mídia, seja em relação à Ucrânia ou à Venezuela. E, mais recentemente, ao apoiar a acusação infundada e frágil da África do Sul na Corte Internacional de Justiça de que Israel comete genocídio contra os palestinos.

O presidente Lula e o líder sul-africano, Cyril Ramaphosa, durante encontro do Brics - Marco Longari - 22.ago.23/AFP - AFP

O termo "genocídio" foi usado pela primeira vez em 1944 por Raphael Lemkin, um judeu polonês que participou da resistência aos nazistas e buscava um termo que fosse capaz de descrever os horrores da "solução final", que tentou exterminar toda a população judaica da Europa.

Nesse sentido, tentar atribuir falsamente a Israel o crime de genocídio é algo cruel e uma verdadeira inversão de valores, pois visa transformar vítimas em algozes. Isso justamente no momento em que o Estado judeu busca se defender do Hamas, o grupo terrorista responsável pelo massacre de 7 de outubro (a maior matança de judeus desde o Holocausto) e que diz que repetirá inúmeras vezes o atentado.

Ademais, vale mencionar o quão hipócrita, além de mentirosa e ignóbil, é a acusação feita pela África do Sul, tendo em vista seu extenso histórico de amizade com ditadores e criminosos de guerra. Em 2014, seu governo se recusou a prender o então ditador do Sudão, Omar al-Bashir, este sim condenado pelo genocídio de centenas de milhares de pessoas em Darfur. O Tribunal Penal Internacional condenou o país por essa razão.

Não é de se espantar, portanto, que a África do Sul mantenha relações tão próximas com o Hamas, tendo recebido uma delegação oficial do grupo em Pretória, em 2015, e negando-se a reconhecê-lo como terrorista. Isso apesar de a carta de fundação do Hamas conter elementos abertamente genocidas, como a destruição total de Israel e a luta contra os judeus. Mesmo após as atrocidades cometidas no 7/10, o país esperou dez dias para condenar os atentados e, pouco após fazê-lo, a chanceler sul-africana falou ao telefone com nada menos que Ismail Haniyeh, um dos lideres máximos do Hamas.

É interessante observar que a maioria dos Estados que apoiaram a denúncia que o Brasil decidiu endossar são ditaduras com histórico de violação aos direitos humanos. Em vez de se juntar às democracias do mundo livre, Lula escolhe aderir ao clube de países que apoiam o terrorismo, junto a alguns poucos governos latino-americanos, como o da Bolívia —que apoiou a invasão russa à Ucrânia e é aliada de Putin e do regime iraniano, que financia e apoia o Hamas, o Hezbollah e outros grupos terroristas—, e das ditaduras nicaraguense e venezuelana, que dispensam apresentações ao leitor.

É escandaloso que o Brasil, ao mesmo tempo em que afirma defender a solução de "dois Estados, com um Estado Palestino economicamente viável convivendo lado a lado com Israel", esteja contribuindo justamente para o oposto disso ao apoiar esta falsa denuncia, que só beneficia os que, como o Hamas, são radicalmente contra a solução de dois Estados.

É um abandono claro da tradição brasileira de equidistância e contribui ainda mais para o enfraquecimento das instituições internacionais e a banalização do genocídio. Ao agir desse modo, o país isola-se das principais democracias do mundo e aproxima-se justamente daqueles que ameaçam os valores mais caros que afirmamos defender.

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