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Fábio Ulhoa Coelho

É positiva a criação de um exame nacional para candidatos a juízes? SIM

O poder legitimado pela competência técnica

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Fábio Ulhoa Coelho

Advogado, professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autor de “Conflito: a origem do direito”

Quando colegas advogados falam de ativismo judiciário como uma grave distorção, costumo contrapor: "Você acha que a história do direito terminou? Que ele teve história até formularem a teoria da tripartição dos Poderes e aí encontrou a perfeição?". Em geral, tais indagações abrem novas perspectivas à conversa.

A sociedade ficou de tal modo complexa que a fórmula democrática criada há cerca de 230 anos nem sempre funciona a contento atualmente. A aprovação de regras abstratas por um departamento do Estado (Poder Legislativo) para serem aplicadas por outro (Judiciário) já não é mais capaz de tratar satisfatoriamente todos os conflitos de interesses.


O Legislativo desempenha muito bem o papel de representante da maioria, mas é o Judiciário que dá voz à minoria. E assim é no mundo todo. Em muitos países, não apenas no Brasil, o casamento entre pessoas do mesmo sexo originou-se de decisão judicial, não de mudança legislativa. O direito tem a sua história e ela não terminou.

Na democracia contemporânea, o Judiciário é chamado a desempenhar um papel muito mais relevante que o de mero aplicador de regras abstratas aprovadas pelo Legislativo. Exige-se hoje dos magistrados uma competência técnica que vai muito além de simplesmente conhecer o amontoado das leis em vigor.

Entre os três Poderes, o Judiciário é o único que não se legitima nas urnas. Sua legitimidade advém do conhecimento técnico dos magistrados. Quanto mais o jurisdicionado perceber transparência e rigor no processo de escolha dos juízes, mais legitimidade terá o Poder Judiciário.

Por isso devemos celebrar a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visando à instituição do Exame Nacional da Magistratura (EN). O fortalecimento do Judiciário como Poder cada vez mais importante na democracia contemporânea será altamente beneficiado pelo reforço de sua legitimidade alicerçada na competência técnica.

Para termos uma ideia da dimensão desse reforço, basta olharmos para outro exame nacional, o Enem. Ao chamar a atenção da imprensa, o Enem proporciona o debate público acerca do conhecimento e dos valores que a juventude brasileira deve assimilar.

O EN dará ensejo ao debate público acerca do conhecimento e dos valores que os nossos magistrados devem assimilar, robustecendo dessa maneira a legitimidade do Poder Judiciário. O jurisdicionado terá ainda mais clara a percepção de estar sob a jurisdição de pessoas bem preparadas.

No EN devem prevalecer questões que, além de mensurarem o conhecimento mínimo das disciplinas fundamentais do direito, sejam aptas à certificação dos verdadeiramente vocacionados para o árduo trabalho de julgador. É disso que se trata: de certificação.

Nos exames da magistratura já existe a fase inicial, com questões objetivas. Os concurseiros a chamam de "provão". O EN poderá substituir o provão se o Tribunal de Justiça considerar adequado.

Por fim, no plano individual do candidato, a certificação obtida pelo EN servirá de prova indiscutível de que o seu sucesso em qualquer concurso de magistratura decorreu dos próprios méritos como profissional, não de vínculos de parentescos ou indevidas interferências políticas.

A autoestima no plano individual será apenas o reflexo do fortalecimento, no plano institucional, da legitimidade do Poder Judiciário.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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