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Luiz Roberto Liza Curi

Expansão da educação brasileira precisa de rumo

Aparentemente pujante, expansão da educação brasileira precisa de rumo

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Luiz Roberto Liza Curi

Sociólogo e doutor em economia (Unicamp), é presidente do Conselho Nacional de Educação

Jack London, em seu atormentado e anárquico conto "As Mortes Concêntricas", nos esclarece como se pode tramar contra o futuro a partir de argumentos pretensamente convergentes ao bem comum.

Convergências sempre podem surpreender. Mesmo quando ocorrem, o resultado pode ser inesperado. É o caso das inexplicáveis voltas e espirais destinadas à educação superior brasileira.

Apesar de contar com universidades de alta qualidade e com especialistas experientes, parece que nada é mais difícil do que aperfeiçoar processos de aprendizado, currículos e procedimentos de regulação e avaliação na educação superior.

Patinando na atuação regulatória incapaz de conduzir a expansão às razões do crescimento econômico, da amplitude cultural, do emprego e do combate à desigualdade, os agentes da política pública às vezes se esquecem de que se trata de 9,5 milhões de estudantes, sendo 4,3 milhões a distância, quase 2.700 instituições e 45 mil cursos em movimento.

Resulta de convergências construídas há décadas uma regulação burocrática, cada vez mais descolada das demandas econômicas e necessidades de desenvolvimento humano, que não articula a expansão da educação superior entre setores intensivos em competitividade e empregabilidade. Não há hierarquias entre áreas de conhecimento ou regiões. Toda expansão ocorre, como diria Turgot, por conta de um laissez faire comandado pela escolha das próprias instituições, bastando cumprir as normas gerais que as isolam das demandas da sociedade.

Essa regulação vem causando mais danos do que resultados. As instituições acumulam em geral, com respeitáveis exceções, um desempenho que pode ser materializado em evasão de mais de 50% de estudantes e na queda consistente da matrícula.

O mais grave, no entanto, é o baixo impacto dos egressos, que colecionam desempregos e dispersão do diploma. Eram, no início de 2023, 5,4 milhões de diplomados, segundo o IDados, sem emprego na área de formação —e muitos em empregos sem exigência de nível superior. Segundo reportagem recente do jornal Valor Econômico, os percentuais de empregabilidade em áreas como saúde, direito e administração ficam entre 3% a 9% dos egressos.

Enfim, são milhares de cursos com currículos defasados, conservadores, inflexíveis, monodisciplinares e ineficazes para o futuro. Muitos deles com baixa interação institucional entre a formação, a pesquisa e a extensão e mínimas interações com os ambientes profissionais ou de aprendizado com práticas reais.

Futuros docentes, pesquisadores e cientistas, convidados pelas normas vigentes, acabam esticando sua formação em mestrados longos e em doutorados com pós-doutorados articulados. Se considerarmos a idade média para a formação de doutores em 38 anos, é possível estimarmos que o início do ingresso como docente em uma universidade pública seja de 42 anos. Essa longa trajetória impacta negativamente a produção de conhecimento qualificado, o emprego, a inovação, a pesquisa e a capacidade das melhores universidades de se manterem atualizadas.

Isso tudo nos demonstra que a expansão da educação brasileira, embora aparentemente pujante, precisa de um certo rumo. No que depende do conjunto das instituições, foram oferecidas mais de 22,8 milhões de vagas em 2022, de forma aleatória, tendo sido preenchidas 4,7 milhões, ou 20% de ocupação. A ideia do ministro da Educação de reformular a regulação faz sentido.

Só a educação superior é capaz de sustentar um processo estruturado de inovação industrial e sua produtividade e, assim, gerar mais empregos. Professores da educação básica dependem de boa formação para transmiti-la às crianças e aos jovens. Sem qualificação e adequada expansão das áreas de conhecimento nenhum setor da economia para de pé.

Expandir a educação superior é antes de mais nada gerar as bases transformadoras para a reconstrução nacional. Não basta gerarmos riqueza às instituições particulares —detentoras de cerca de 80% das matrículas— nem renovarmos a política pública matando seus atores.

Não iremos nos incomodar com o passado se não convocarmos todos os que constroem a educação superior brasileira a interromper os fatores concêntricos que limitam nosso futuro e constrangem nosso destino.

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