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A dama do silêncio

Conhecida como 'La Mataviejitas', assassina em série fez 49 vítimas na Cidade do México, entre 1998 e 2005

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Lucrecia Zappi

Escritora, tradutora e jornalista, é autora dos romances "Onça Preta", "Acre" e "Degelo". Prepara novo livro para 2025.

Nova York

Alto, branco e robusto. O retrato falado era tão vago quanto o antigo conselho de não abra a porta para estranhos. Sem rasgos mais específicos, a sombra exterminadora se alastrou pela Cidade do México em um medo sussurrado sem precedentes —e logo declarado e enfurecido— diante da banalização do número de mortes. Entre 1998 e 2005 foram 49 mulheres idosas, sem nenhuma relação direta entre elas, a não ser a idade e o modus operandi do crime.

Um estranho sorridente, de sapatos e bata médica brancos, com uma Bíblia sob o braço, penteado impecável e munido de uma carteirinha do governo, oferecia algum serviço social, como auxílio alimentar. Somadas à ingenuidade e curiosidade quase infantes, um critério de escolha era que as vítimas estivessem desacompanhadas. "Aceita um chazinho?", perguntavam em resposta, na solidão anfitriã, com a porta entreaberta.

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A sombra da assina em série se alastrou pela Cidade do México; conhecida como 'La Mataviejitas' ela fez 49 vítimas, entre 1998 e 2005 - Adobe Stock

A experiência da polícia mexicana em lidar com assassinos em série era zero, por isso o Procuradoria Geral de Justiça contratou peritos estrangeiros para dar curso intensivo sobre as condutas mais típicas deste perfil e como agir. Em pouco tempo, percebeu-se que não havia só um Mataviejitas. As impressões digitais não batiam e, atrás do vidro da Câmara Gesell, ninguém era identificado.

Pela força e estatura seria um homem vestido de mulher, quiseram concluir, talvez um travesti, e do garimpo nas ruas, entre oitenta e cem foram fichados, interrogados, espancados. Quem se prostituía foi tratado como delinquente. Não encontraram a quem buscavam, mas o recado moralizador foi dado. Um simples pedido de desculpas do governo bastou, até porque a operação pedia um resultado urgente. E estava baseada em dados: alto, branco e robusto.

Em paralelo, um dado curioso, é que grande parte dos casos de feminicídio, seja no México ou no Brasil, ocorre geralmente em ambiente familiar e durante a semana, na mansidão da tarde. No caso Mataviejitas, quase todas as vítimas moravam sozinhas.

A figura da avó sacrificada em nome da família contrastava muitas vezes com a indiferença dos mais jovens, sob o constrangimento de não servir para mais nada. Inclusive as primeiras mortes foram tratadas com um certo descaso e tardaram para ser investigadas, sem antecipar que viriam tantas depois, o que reflete a ideia do velho como um estorvo e que, afinal de contas, não lhe sobra muito tempo de vida.

As marcas digitais se diversificaram e por um momento descartaram que fosse apenas um assassino. Imitadores assaltantes, igualmente armados de Bíblia, bata e peruca, mostraram que a loucura social era mais profunda. E como muitas vezes a coisa saía mal, viam-se no dilema de silenciar a vítima.

O modus operandi era a "chave chinesa", golpe pugilista que paralisa a vítima e faz perder os sentidos em poucos segundos. Depois deixavam a sua marca, um fio de telefone, um lencinho no pescoço estrangulado ou o que encontrassem pela casa. Cogitou-se um lutador profissional, mas na cultura mexicana, a associação quase direta seria a um mascarado, considerado herói popular na luta livre.

A luz caiu sobre o ringue vazio. A Dama do Silêncio era seu nome de guerra. Foi vista por um vizinho com tranquilidade inabalada tentando escapar da casa de uma idosa, mas uma patrulha policial passava na rua. Seu maior troféu estava na carteira: o falso título de campeã de luta livre.

Juana Dayanara Barraza Samperio nasceu em 1957, em Hidalgo. Dócil e mãe solteira, mudava de casa com frequência e sempre tinha um trocado no bolso. Além das perucas, colecionava estatuetas da Santa Morte. A entidade macabra, representada por um esqueleto coberto por um véu, protege a quem lhe peça ajuda, por isso está associada aos fora-da-lei.

A Dama do Silêncio nunca foi uma estrela das arenas, nem passou do folclore à realidade, como o Santo ou o Blue Demon nos filmes da década de 1950, grandes figuras da luta livre veneradas por crianças e adultos. Parte do estereótipo do super-herói é nunca revelar a identidade, bem como proteger os mais fracos contra o mal.

Dentro das duas máscaras em que habitava, cultivava papeis invertidos. Nos bastidores da luta livre bancava a assistente social. Escutava as companheiras, pagava a conta do bar. Posava de rosa e dourado, com uma máscara e cinturão de borboletas, mas não chegava a subir no ringue. Na casa das idosas, era a Dama do Silêncio, aplicando a "chave chinesa".

Disse ter sido maltratada pela mãe, que lhe dava surras homéricas e deixou que fosse abusada sexualmente. Detestava as velhinhas por isso, declarou. Talvez em seu imaginário defendesse os mais frágeis de monstros e vampiros. Matava por vingança, levando além do dinheiro que encontrasse, uma pequena recordação da casa da vítima, um souvenir. Ao mesmo tempo, era uma pessoa solitária como elas e, no meio da multidão, invisível. Foi condenada a 759 anos de prisão.

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