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Fábio Bibancos

A proliferação da odontologia irresponsável

Há uma obsessão desenfreada pela estética, alimentada pelas redes sociais

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Fábio Bibancos

Dentista, é presidente do Instituto Bibancos de Odontologia e da ONG Turma do Bem

Quando decidi pela carreira de dentista, a competição por uma vaga era feroz. Hoje, as circunstâncias mudaram. O número de faculdades de odontologia cresceu vertiginosamente, o que poderia parecer que as portas da profissão se abriram para uma gama mais ampla de indivíduos. Mas o que se percebe é que há muitos profissionais mal preparados e, pior que isso, com atuação que passa longe dos princípios éticos —o que representa uma ameaça não apenas para a qualidade do serviço prestado, mas também para a saúde da população.

Por trás desse panorama, esconde-se uma obsessão desenfreada pela estética, alimentada pelas redes sociais, que vem transformando a odontologia em um espetáculo de horrores em que a prioridade é a quantidade de curtidas e compartilhamentos.

O dentista Fábio Bibancos em seu consultório - Filipe Redondo - 27.nov.10/Folhapress - Filipe Redondo/Folhapress

Nas redes, alguns "dentistas influenciadores" se destacam não pela excelência de seu trabalho ou do cuidado com os pacientes, mas pela autopromoção sem ética ou ciência. Esses profissionais divulgam serviços, vendem cursos e realizam postagens bastante controversas (para dizer o mínimo). Diante disso, surge uma questão crucial: onde está o limite? Há um desrespeito flagrante à resolução do Conselho Federal de Odontologia, que deveria ser uma espécie de guia de boas práticas.

Termos como "odontologia integrativa" e "terapia neural em odontologia" são apenas alguns exemplos do absurdo desfile de pseudociência que assombra a profissão. Parece que, no mundo digital, a credibilidade científica está sendo trocada pela promessa vazia de soluções milagrosas.

Essa atmosfera propícia à mercantilização da odontologia tem consequências nefastas. Casos recentes de fraudes milionárias e prisões relacionadas a negligências em tratamentos evidenciam o que acontece quando a ganância e a falta de ética se infiltram na profissão.

Temos de melhorar como sociedade, dando a devida importância à saúde bucal de todos: seguimos com uma população desdentada e sem acesso. Vemos profissionais sérios lutando para sobreviver com remunerações baixas, tanto em clínicas privadas como através de convênios, sem contar a falta de incentivos para que atuem na saúde pública. Os princípios do SUS —universalidade, integralidade e equidade— parecem distantes quando se trata das demandas de saúde bucal. Ou seja, não ganhamos nada com a expansão do número de dentistas.

Diante desse panorama, é de extrema importância que os dentistas que negligenciam os princípios éticos e colocam vidas em risco sejam submetidos ao devido processo legal, garantindo a integridade da profissão e a segurança dos pacientes.

Quando a sociedade, a mídia e os ministérios da Educação, do Trabalho e da Saúde pressionarão e trabalharão para buscar soluções efetivas para as causas de mortes e traumas resultantes de erros em procedimentos odontológicos?

Todos precisam responder ao caos que se instaurou na saúde; afinal, isso diz respeito não só a um aspecto da profissão, mas à vida humana.

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