Descrição de chapéu
Michel Roberto de Souza, Rafael A. F. Zanatta e Veridiana Alimonti

Espionagem e direitos fundamentais

Urgem garantias contra o uso arbitrário dos poderes de vigilância

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Michel Roberto de Souza

Diretor de políticas da Derechos Digitales

Rafael A. F. Zanatta

Diretor da Data Privacy Brasil

Veridiana Alimonti

Diretora associada para América Latina da Electronic Frontier Foundation

A espionagem está na pauta do dia. O uso de programas de computador específicos para essa finalidade é motivo de alarme. As investigações indicam a existência de um esquema sofisticado e ilegal de bisbilhotagem, o qual requer uma apuração adequada por parte do Ministério Público e do Judiciário. As práticas ilegais denunciadas, relacionadas ao uso do First Mile pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), não devem ser toleradas em um regime democrático.

Não se trata de uma prática amadora de espionagem. O software empregado utiliza técnicas avançadas de "spoofing" para explorar a infraestrutura de telecomunicações, obtendo informações de geolocalização a partir de números específicos.

Em outros países da América Latina, também vemos exemplos de utilização de aparato digital com fins de vigilância. No Equador, por exemplo, há denúncias de vigilância decorrente de um aplicativo do Estado para o cidadão pedir socorro e, no México, acusações sérias de utilização de software para vigiar jornalistas e de captura de dados de localização por cartéis de drogas para perseguir vítimas e opositores.

Mas esse estado de coisas não é novidade. Há dez anos, a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) criticou, na Assembleia Geral da ONU, a vigilância desenfreada. À época, as revelações de Edward Snowden indicavam que havia espionagem direcionada à própria mandatária do Brasil, além de muitas outras realizadas pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos. Esse fato desencadeou muitas reações e resoluções importantes no sistema da ONU sobre a privacidade na era digital, referência atualmente no tema de direitos humanos.

Até o final da próxima semana, o Brasil participa da sessão final do Comitê da ONU que discute um novo tratado sobre crimes cibernéticos. Até o momento, a posição brasileira é rígida em defender que esse tratado seja um instrumento amplo para a obtenção de provas no processo penal. No entanto, à luz dos casos mencionados, é imperativo ponderar sobre as garantias necessárias diante de um Estado que pode conduzir investigações por meio de poderes amplos e ferramentas obscuras, vigiando e silenciando opositores, ativistas de direitos humanos, jornalistas e qualquer pessoa que se oponha àqueles no poder.

Esperamos que o Estado brasileiro compreenda que a construção de um tratado sobre crimes cibernéticos requer que se leve a sério os direitos fundamentais, estabelecendo garantias sólidas e vinculantes contra o uso arbitrário de poderes de vigilância. Sem elas, os riscos de abuso de suas normas são insustentáveis, e o tratado não deveria prosperar.

Além de concluir as investigações internas, o Brasil deve reafirmar sua posição em prol da privacidade como um direito fundamental em seu retorno a uma diplomacia altiva. É crucial que o país seja porta-voz firme dos direitos humanos, inclusive no combate a cibercrimes, destacando a importância da justiça e da proteção das liberdades individuais. Como há dez anos, a postura brasileira pode influenciar positivamente a comunidade internacional e fortalecer o compromisso global com os direitos digitais e humanos.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.