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Desinteligência

Disputa entre PF e Abin expõe controle deficiente sobre mecanismos de informação

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Delegado Alessandro Moretti durante entrevista
Alessandro Moretti, delegado exonerado do cargo de diretor-adjunto da Abin - Divulgação GDF

"A gente nunca está seguro. O companheiro que eu indiquei para ser o diretor-geral da Abin foi meu diretor-geral da PF entre 2007 e 2010. É uma pessoa em que tenho muita confiança e por isso chamei, já que eu não conhecia ninguém da Abin."

A frase, dita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a rádios na terça (30), reflete o espanto que a crise instalada entre a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência provoca.

A operação da PF que apontou indícios da criação de uma "Abin paralela", ao que se supõe destinada a fornecer dados de adversários ao governo de Jair Bolsonaro (PL), abriu uma caixa de Pandora.

Noves fora a voltagem política da investigação, que incluiu batida na casa de Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente, expõem-se entranhas de um corpo obscuro do Estado —sua área de espionagem.

Todo país lida com isso, e questões de transparência e competência volta e meia vêm à tona —seja na bisbilhotagem americana de líderes aliados nos anos 2010 ou no fracasso de Israel em antecipar o mega-atentado do Hamas em 2023.

Por aqui, o chamado Sistema Brasileiro de Inteligência, centrado na Abin, reúne 48 órgãos em 16 ministérios. A supervisão do trabalho é de uma comissão mista no Congresso da qual mal se ouve falar. Ao Tribunal de Contas da União, cabe o papel de checar as faturas.

É algo bem mais frouxo do que o que ocorre nos EUA, onde a Agência Central de Inteligência abriga uma inspetoria independente que presta contas a diversos órgãos, a começar por poderosas comissões do Congresso, que usualmente garantem o sigilo de dados sensíveis.

No cerne da operação da PF está um software espião adquirido em Israel. Se é evidente que a agência não deve propagandear capacidades, o véu de segredo permite usos pouco republicanos delas —exatamente o que está sob apuração.

Do ponto de vista da Abin, como o agora demitido diretor-adjunto Alessandro Moretti disse no passado, há a percepção de uma perseguição política por parte da PF, órgão cujo empoderamento no primeiro mandato de Lula no Planalto fez emergir conflitos de competência e disputas por poder.

O fato de Moretti ser um delegado federal ligado ao ex-diretor da agência Alexandre Ramagem, deputado pelo PL-RJ e protegido de Bolsonaro, é sintomático das linhas cruzadas dessa politização.

Já a Polícia Federal se ampara em autorizações do hiperativo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez atraindo críticas a seus métodos.

O resultado, até aqui, foi a queda de Moretti e a troca de seis diretores da Abin, mas nada garante que Lula poderá dizer que se sente mais seguro a partir de agora.

editoriais@grupofolha.com.br

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