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Martin Griffiths

Fracasso moral do mundo em Gaza deveria envergonhar a todos

Chanceleres do G20, usem vosso poder para salvar civis da vala comum

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Martin Griffiths

Subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários e coordenador da Ajuda de Emergência

No momento em que o G20 se reúne no Brasil nesta semana, o número relatado de mortes nas hostilidades na Faixa de Gaza está se aproximando da marca dos 30 mil. Espero que tal fato dê motivos para que os chanceleres reunidos no Rio de Janeiro reflitam sobre o que seus países fizeram ou não fizeram para parar essa situação.

Dizer que a guerra em Gaza é cruel e constitui um exemplo de fracasso humanitário absoluto não é novidade. Não há necessidade de reafirmar o óbvio. Em vez disso, permitam-me que, em nome dos meus colegas humanitários, faça um alerta não só para o dia de hoje mas também para o que receio que aconteçerá amanhã.

Crianças palestinas esperam para receber comida preparada em uma cozinha de caridade em meio à escassez de alimentos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza - Mohammed Salem/Reuters - REUTERS

O que tem ocorrido em Gaza nos últimos 137 dias é incomparável na sua intensidade, brutalidade e alcance. Dezenas de milhares de pessoas mortas, feridas ou enterradas sob os escombros. Bairros inteiros arrasados. Centenas de milhares de pessoas deslocadas, vivendo nas condições mais precárias, que foram agravadas com a chegada do inverno. Meio milhão de pessoas à beira da fome e sem acesso às necessidades mais elementares: alimentos, água, cuidados de saúde, latrinas. Uma população inteira está sendo destituída da sua humanidade.

As atrocidades que assolam o povo de Gaza —e a tragédia humanitária que estão suportando— estão à vista do mundo, documentadas por corajosos jornalistas palestinos, muitos dos quais foram mortos enquanto o faziam.

Ninguém pode fingir que não sabe o que está acontecendo.

Ninguém pode fingir também que não sabe que as agências humanitárias estão fazendo o seu melhor: Cerca de 160 dos nossos colegas foram mortos, mas as nossas equipes continuam a distribuir alimentos, material médico e água potável. Estamos fazendo tudo o que podemos, apesar dos riscos de segurança, do colapso da lei e da ordem, das restrições de acesso e das tragédias pessoais. Apesar do corte de financiamento da maior organização da ONU em Gaza. E apesar das tentativas deliberadas de nos desacreditar.

A comunidade humanitária que represento acaba de publicar um plano que descreve o que precisamos para aumentar o fluxo e a distribuição de ajuda em Gaza. Nenhum dos pontos do plano é irracional: garantias de segurança; melhoria do sistema de notificação humanitária para reduzir os riscos; equipamento de telecomunicações; remoção de munições não detonadas; utilização de todos os pontos de entrada possíveis.

Mas embora eu tenha dito muitas vezes que a esperança é a moeda do profissional de ajuda humanitária, tenho pouca esperança de que as autoridades nos forneçam o que precisamos para atuar. Quero muito que me provem que estou errado.

Sabemos, sem sombra de dúvida, que as agências humanitárias serão responsabilizadas —já estamos sendo responsabilizados— pela falta de ajuda em Gaza, apesar da coragem, do empenho e do sacrifício de todas as nossas equipes no terreno.

Mas não nos enganemos: as privações impostas à população de Gaza têm sido tão severas que nenhuma quantidade de ajuda humanitária é suficiente. Os obstáculos que estamos enfrentando a cada passo são tão grandes que só podemos fornecer o mínimo necessário.

Os ataques de 7 de outubro contra Israel são abomináveis —condenei-os repetidamente e continuarei a fazê-lo. Mas não podem justificar o que está acontecendo com todas as crianças, mulheres e homens em Gaza. Por isso, a minha mensagem aos chanceleres do G20 nesta semana é clara: temos implorado a Israel, enquanto potência ocupante em Gaza, que facilite a entrega de ajuda —com pouco ou nenhum sucesso. Temos apelado à libertação imediata e incondicional de todos os reféns, com pouco ou nenhum resultado.

Temos instado as partes a cumprirem as suas obrigações de acordo com o direito internacional humanitário e de direitos humanos, com pouco ou nenhum resultado.

Temos exortado os países que deixaram de financiar a Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA) a reverterem a sua decisão —com pouco ou nenhum resultado.

Hoje, imploramos a vocês, membros do G20, que usem a liderança e influência política para ajudar a pôr fim a esta guerra e salvar a população de Gaza. Vocês têm o poder de fazer a diferença. Usem-no.

O silêncio e a falta de ação de vocês só contribuirão para que mais mulheres e crianças sejam jogadas nas valas comuns de Gaza.

As agências humanitárias estão fazendo tudo o que podem. E vocês, o que estão fazendo?

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