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José Roberto Afonso

O governo deve socorrer as companhias aéreas? SIM

É hora de adotar uma inovadora política pública de aviação civil no Brasil

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José Roberto Afonso

Doutor em economia e professor do IDP

Turbulências financeiras atingem as companhias aéreas no país há cerca de uma década. A pandemia foi arrasadora, mas foi assim em todo o mundo. Isso fez governos, até os mais liberais, darem apoios bilionários às aéreas, de crédito até pagamento de salários. O governo brasileiro da época optou pela inépcia. Passada a crise sanitária, aqueles governos já recuperaram muito do que emprestaram, até com lucros. A demanda por viagens retomou rápido, mas o mesmo ritmo não se deu na oferta de aviões, peças e manutenção, pois essa foi mais uma cadeia global desorganizada pela Covid-19.

Não adianta mais, nos dias de hoje, o governo brasileiro repetir as concessões que outros deram no auge da pandemia. São outras as questões. Os aviões que poluem menos custam mais e passam por manutenção mais cedo. A governança do negócio mudou radicalmente, tanto a aeronave (cada vez menos se compra e mais se aluga) quanto a passagem (não se vende mais em lojas, é toda pela internet, com algoritmos a formar preços). Boa parte do negócio de transporte virou financeiro, ao se receber muito antes do voo e só depois pagar impostos e fornecedores. Em meio a esse rearranjo estrutural, a conjuntura conspirou com alta de inflação, dos juros e do preço do petróleo e seus combustíveis. Resultou um inevitável aumento de preço de passagens e de críticas em todo o mundo.

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Aviões da Gol, Latam e Azul no aeroporto de Congonhas, em São Paulo - Bruno Santos - 17.ago.23/Folhapress - Folhapress

O Brasil tem algumas diferenças. Nunca teve uma doutrina e uma política de aviação para valer. Se, no momento, suas aéreas enfrentam uma grave crise financeira, ainda mantêm bons padrões operacionais, e as perspectivas de longo prazo são das melhores do mundo. É hora de o governo enfrentar os desafios estruturais e formular uma política de aviação para valer. Não se resolverá apenas com mais crédito para quem já está excessivamente endividado (sobretudo no exterior), mas sim com mais investimentos e capitais nas empresas.

Para reestruturar o setor, o BNDES terá função-chave: menos com recursos e muito mais com expertise e capacidade estratégica para conectar diferentes agentes e atividades —desde fabricar e arrendar avião até o abastecer e a manutenção. Esse suporte estatal sempre deve exigir contrapartidas, como garantir voos e empregos, subsidiar residentes de áreas remotas e sustentar preços iniciais para os de menor renda que precisam viajar de última hora por motivos de saúde e imprevistos. Novos investidores serão atraídos com melhor regulação e segurança jurídica, que coíba indenizações ditas abusivas e a tributação disfarçada pela não devolução do que se cobra do querosene ou das aeronaves.

Uma política inteligente deve tirar proveito das vantagens brasileiras. É uma rara economia emergente com produção própria aeronáutica, sucesso internacional fruto de inovação estatal. Para o futuro, tem dos maiores potenciais naturais para produção de querosene verde de aviação, que não só reduzirá a poluição quanto deverá custar muito menos que o de petróleo.

Se já é um dos maiores mercados mundiais de viagens domésticas, tenderá a ser ainda maior se crescer, redistribuir e aumentar a renda dos consumidores, uma vez que os brasileiros hoje viajam de avião menos até do que colombianos e chilenos.

Enfim, a aviação é um retrato dos desafios complexos que o Brasil precisa solucionar. Não basta ao governo agora jogar boia para quem está de novo a se afogar: é melhor ensinar a nadar. A atual crise abre oportunidade para resgatar e para reestruturar a aviação. Poderá decolar de vez para cumprir seu papel precípuo de integrar uma nação de dimensão continental, promover sustentabilidade ambiental e social e fomentar produção de alta tecnologia.

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