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Michael Kepp

Procriar num planeta a caminho do colapso?

Crise climática deve pesar no desejo de ter filhos

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Michael Kepp

Jornalista norte-americano radicado há 41 anos no Brasil, é autor de “Tropeços nos Trópicos - Crônicas de um Gringo Brasileiro” (ed. Record) e “Um Pé em Cada País” (Tomo Editorial)

Como jornalista ambiental que sabe sobre as mudanças climáticas desde a década de 1970 (escrevendo sobre o assunto desde 2000) e que optou por não ter filhos em parte devido à ameaça que elas representam, pergunto-me como é que os casais que desejam tê-los lidam com o fato de que seus descendentes herdarão um planeta cada vez mais quente e cheio de catástrofes climáticas.

Afinal, as temperaturas globais e a frequência dos desastres provocados pelo clima aumentam mais rapidamente do que nunca. E 2023 foi o ano mais quente registrado em nível mundial, incluindo o Brasil, onde o número de ondas de calor aumentou oito vezes, de 7 para 52, nos últimos 30 anos (desde 1991).

Crianças boiam em um recipiente de isopor em estrada inundada após fortes chuvas em Zhengzhou, província de Henan, na China - Aly Dong - 22.jul.2022/Reuters - REUTERS

Essas estatísticas minam o argumento de que as mudanças climáticas são cíclicas e que as temperaturas sobem, mas depois descem. Uma amiga minha, armada com outro argumento, me disse que, caso tivesse um filho, ele poderia ajudar a resolver o problema do aquecimento global. Tive vontade de lhe dizer que ela só poderia garantir uma coisa sobre aquele possível bebê: que iria se juntar a uma longa fila de emissores de carbono. Mas resisti à tentação.

Um estudo recente do Pew Research Center, um think tank americano, me surpreendeu. Mostrou que apenas 5% dos adultos sem filhos afirmaram que as mudanças climáticas eram um fator-chave na decisão de tê-los ou não, com os outros dando como motivos "o estado do mundo", razões financeiras ou médicas ou a falta de um parceiro.

Esse estudo mostra que a maioria dos adultos que desejam ter filhos parece não ter tomado em consideração algo bem relevante. Quando eles envelhecerem, no ano 2100, o derretimento do gelo polar e glacial terá causado a subida do nível dos oceanos, que inundarão cidades costeiras, tornando muitas delas inabitáveis, e o aquecimento global terá transformado grande parte do mundo num deserto, reduzindo consideravelmente o abastecimento de alimentos e água, como alertam os cientistas do clima.

As pessoas se reproduzem não só porque são biologicamente programadas para isso. As razões incluem o desejo de ter filhos que reflitam quem você é (ou gostaria de ter sido); fazer de alguém, além de você, o centro do seu universo; ou trazer realização e enriquecimento. Outros procriam para salvar seus casamentos ou por pura curiosidade.

Mas, se hoje, eu tivesse que decidir se deveria ter um filho, optaria por não tê-lo —não só pelos meus 73 anos, mas por empatia. Eu me perguntaria: "Devo trazer para o mundo uma criança que, quando envelhecer, terá que enfrentar um clima tão caótico que fará com que ela e todas os outros seres vivos sofram muito, talvez insuportavelmente?".

Afinal, aquela criança poderia eventualmente me perguntar: "Pai, já que não pedi para nascer e você sabia que este mundo iria se tornar cada vez mais inabitável, por que me colocou neste planeta infernal?". É uma pergunta, entre muitas outras, que as pessoas que desejam ter filhos poderiam fazer a si mesmas.

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