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João Pedro Stedile e Maria Gomes

Agricultura familiar precisa ser mecanizada

Ausência de pequenos tratores impede mais produtividade e áreas cultivadas

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João Pedro Stedile

Economista, é integrante da Direção Nacional do MST

Maria Gomes

Agrônoma, é dirigente do setor de produção do MST no Nordeste

Um tema esquecido tem voltado ao debate público nos últimos meses: o baixo nível de mecanização da agricultura familiar. Apenas 14,5% das famílias possuem algum tipo de trator, segundo o Censo Agropecuário de 2017, embora produzam 70% dos alimentos consumidos no país.

A ausência da mecanização impede o aumento da produtividade do trabalho e a ampliação das áreas cultivadas. No Nordeste, onde metade das famílias camponesas vive, apenas 2,3% dispõe de um trator, seguido por 3% no Norte, 13,9% no Centro-Oeste, 16,6% no Sudeste e 39,5% na região Sul.

O governo federal parece ter compreendido o caráter estrutural desse problema. O plano Nova Indústria Brasil apresenta a meta de alcançar 70% de mecanização da agricultura familiar até 2033. É preciso, porém, revisar os mecanismos existentes e lançar mão de novos instrumentos.

O setor industrial de máquinas agrícolas é controlado por um oligopólio de três empresas transnacionais. A única empresa nacional é a Agrale, que responde por menos de 4% do mercado. Essas empresas buscam lucro máximo, se dedicam a desenvolver tecnologias exclusivamente para o modelo do agronegócio e cobram preços altíssimos.

Esse setor não tem compromisso com a indústria nacional nem com a ampliação do mercado com a produção de máquinas menores a preços acessíveis para a agricultura familiar. Tanto que a produção em 1976 era de 64 mil unidades, ao passo que hoje está na faixa de 50 mil unidades.

Além disso, o modelo de acesso à mecanização pela agricultura familiar está baseado em crédito. O atual Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) Mais Alimentos segue o padrão histórico. Em 2023, foram vendidos apenas 12.525 tratores, dos quais 78% na região Sul e apenas 4,5% na região Nordeste.

Ou seja, o programa não alterou a demanda nacional de máquinas, não aumentou a mecanização nem indica alterações na desigualdade regional. Os compradores de sempre pagaram menos juros. Para piorar, a projeção para a próxima safra é a redução de 10% do mercado de máquinas agrícolas, segundo a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos).

Nesse cenário, ganha perspectiva estratégica a parceria entre o Consórcio Nordeste, a Universidade de Agricultura da China (CAU), a Associação Chinesa de Indústrias de Máquinas Agrícolas e a Baobab (Associação Internacional para a Cooperação Popular).

A Unidade Demonstrativa de Máquinas Agrícolas para a Agricultura Familiar Brasil-China, inaugurada neste ano no Rio Grande do Norte, irá testar 31 máquinas agrícolas sem similares no mercado brasileiro, como colheitadeiras de grãos e pequenos tratores. É promissora também a parceria da CAU com a Universidade de Brasília para o intercâmbio tecnológico em sementes, bioinsumos e máquinas.

Essas iniciativas sinalizam uma mudança na dinâmica de mecanização da agricultura familiar. Com a produção de máquinas adaptadas, será possível atender as necessidades dos agricultores familiares e gerar empregos mais qualificados no meio urbano e rural.

A China é o polo industrial mais desenvolvido nesse setor, com mais de 8.000 fábricas. Uma aliança estratégica para a instalação de fábricas brasileiras com tecnologia chinesa promoverá o desenvolvimento industrial no interior do Brasil.

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