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Desculpe, meu filho

Todo domingo meu ônibus partia rumo a São Paulo, onde ficava trabalhando a semana toda; a culpa por esse período é abissal

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Rio de Janeiro

Prenúncio de mais uma semana de trabalho, a musiquinha do Fantástico foi por dois anos e meio um momento especialmente triste para mim. Era a ruptura. Hora de dar início a um ritual de despedida do meu único filho, a quem veria somente no sábado seguinte. Entre 2002 e meados de 2004, quando começava o "uh uh ah! Uh uh ah!" daquele programa, era o sinal de que eu precisava começar a arrumar as malas para deixá-lo em casa. No Rio. Confortável. Com o pai, cercado de afeto. A avó (minha mãe, uma super avó) morando perto e dando toda a assistência. Tio e tia. Mas longe de mim. Aos quatro anos de idade.

Mary Long/Stock Adobe

Todo domingo às 23h45 meu ônibus partia rumo a São Paulo, onde eu ficava trabalhando a semana toda, aqui na Folha. Voltava para o Rio na sexta, tarde da noite, carregada de presentes e de culpa. Íamos à praia, cinema, teatro, onde ele quisesse. Óbvio que eu precisava sugar cada momento ao seu lado naquelas parcas 48 horas que tínhamos juntos. Passava muito rápido e quando eu via (ou melhor, ouvia), lá estava ela de novo. A musiquinha da despedida.

Nos falávamos todos os dias (às vezes ele não queria vir ao telefone e isso me deixava arrasada). Meu filho estava naquele momento glorioso de aprender a ler e a escrever, e no Dia das Mães (uma das muitas festividades no colégio em que minha cadeira ficou vazia), trouxe para casa um cartão com a letrinha toda torta, escrito assim: "Mamãe decoque geito eu vo teamar". Deu pra entender?

Que aperto no peito.

Neste mês das mulheres, cheio de histórias edificantes de mães lobas, me sinto pior ainda. A culpa por esse período é abissal. Fico culpada pelo conjunto da obra, mas também pelas vezes em que, cansada, não quis jogar Banco Imobiliário ou War com ele (por que, meu Deus? Por quê?), brincadeira com Pokémon, Bey Blade e o escambau. Aquela tal felicidade que a gente acha em horinhas de descuido. Me sinto péssima em vários momentos. Desculpe, meu filho.

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