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Roberto Luis Troster

Milei tem início promissor nos primeiros 100 dias

A Argentina precisa reinventar-se urgentemente, e é o que ele tenta fazer

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Roberto Luis Troster

Doutor em economia e consultor, é ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)

Todos os começos de governo são diferentes. É o momento de ocupar espaços e levantar bandeiras: cem dias é o tempo usado como indicador antecedente do que pode ser uma nova gestão. Neste caso, o presidente da Argentina, Javier Milei, apresenta o que é razoável esperar nos próximos anos: um tudo ou nada.

Foi o presidente que assumiu com a pior herança da história do país: uma hiperinflação em gestação, a figura presidencial desacreditada, sem reservas internacionais, o dólar em alta, corrupção endêmica, investimento baixo, fuga de capitais, o governo sem capacidade fiscal e a "casta" —políticos e funcionários públicos com privilégios incabíveis.

Javier Milei, presidente da Argentina, durante abertura das sessões legislativas no último dia 1º de março - Agustin Marcarian - 1º.mar.24/Reuters - REUTERS

A Argentina precisava reinventar-se urgentemente, e é o que Milei está tentando fazer. Acertou com um gabinete de técnicos capazes, seguiu os ensinamentos de Maquiavel (de que o mal se faz de uma vez) e apresentou uma agenda transformadora com princípios liberais, evocando a política econômica argentina da segunda metade do século 19.

Não tem apoio de governadores, nem de deputados e senadores, mas não aceitou o toma lá dá cá tradicional na política argentina. Não conseguiu aprovar o projeto inicial de mudanças no Congresso Nacional. Em vez disso, propôs o Pacto de Maio. É uma convocatória para um acordo nacional de estabelecer dez políticas de Estado liberais.

Trata-se de uma mudança de paradigma: equilíbrio fiscal, redução do gasto público a 25% do PIB, pacto federativo, reformas tributária, trabalhista, da Previdência e política —e redução dos privilégios da "casta". Eliminou subsídios e está usando a inflação para reduzir dívida pública e salários reais, aposentadorias e funcionalismo e cortando gastos públicos (obras e custeios). O remédio aplicado, por enquanto, está dando certo. O risco de hiperinflação desapareceu, as reservas internacionais aumentaram, o dólar paralelo se estabilizou, o risco país despencou, a Argentina teve o primeiro superávit fiscal em 12 anos, a Bolsa de Valores disparou e o apoio popular a seu governo se mantém elevado.

Milei está numa corrida do tempo econômico contra o tempo político. Mercados não se ajustam instantaneamente. Enfrenta uma zona perigosa, com custos políticos aumentando sem que os benefícios dos ajustes se consolidem. O objetivo é manter o apoio popular e, ao mesmo tempo, continuar a aplicar remédios amargos. É difícil, mas possível.


Há uma série de "se" a superar. Se a recessão não se prolongar demais, se a abertura não quebrar muitas empresas, se o encolhimento do Estado não tiver custos sociais muito elevados, se não houver um repique da inflação e se o desemprego não disparar. Se conseguir superar os "se", será uma revolução. Se não, o remédio para a Argentina vai virar veneno.

Todos torcemos para que Milei vença. Há indicações, não certeza, de que sim. Se ele conseguir, ajudará o Brasil de duas maneiras. Uma é que a Argentina, mais próspera, importará mais bens e serviços brasileiros; outra é que, como os desafios são parecidos, o exemplo lá ajudará a iluminar a política econômica aqui. Vai, Argentina!

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