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Medicina ideológica

CFM cerceia direito ao aborto ao impor limite temporal para fazer procedimento

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Manifestantes em ato pela descriminalização do aborto na avenida Paulista, em São Paulo (SP) - Bruno Santos - 28.st.23/Folhapress

Após o comportamento insensato do Conselho Federal de Medicina (CFM) na pandemia de Covid-19, ninguém mais se surpreende com suas decisões retrógradas.

A resolução 2.378, que veda a assistolia em fetos com mais de 22 semanas para interromper gravidez, só confirma a captura do órgão por pautas ideológicas.

O método preconizado pela OMS —induzir a parada de batimentos cardíacos do feto para aumentar a segurança do aborto em gestações acima de 20 semanas— é aplicado principalmente em casos de estupro, quando o medo de denunciar e a burocracia da autorização prolongam o período de gestação.

A legislação brasileira permite o aborto em casos de risco à vida da mulher, de anencefalia fetal e de gravidez resultante de abuso sexual. O Código Penal de 1940 não prevê limite temporal para o procedimento, condição que o CFM se arroga o poder de revogar.

A entidade cerceia, agora, a autonomia médica que tanto invocou na defesa de profissionais que, durante a crise sanitária, propagavam remédios ineficazes contra a Covid.

Tal limitação arbitrária acarretará ainda mais dificuldade de acesso ao aborto legal. Estima-se que existam apenas duas centenas de serviços capacitados para realizá-lo nos 5.570 municípios brasileiros, em geral nas regiões mais ricas.

O conselho alega que a assistolia não existia em 1940 e que fetos são viáveis após 22 semanas. Esse marco no desenvolvimento embrionário pode ter relevância para o debate abstrato, não porém para cercear o direito das vítimas de estupro nos casos em que o Estado falhou em atendê-las a tempo.

Segundo o relator da resolução, Raphael Câmara, que foi secretário da pasta da Saúde no governo Jair Bolsonaro (PL): "Na época, não se poderia prever que em 2024 ia ter gente querendo matar bebê de nove meses. Então é óbvio que o Conselho Federal de Medicina tem que se adaptar aos tempos".

A declaração de Câmara acusa de assassinato mulheres violentadas em atos hediondos. Se de fato o CFM estivesse comprometido com adaptar-se aos novos tempos, deveria inclinar-se para a empatia, não para a crueldade.

editoriais@grupofolha.com.br

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