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Manoela Miklos e Anita Efraim

Ninguém vai a lugar nenhum

O óbvio na guerra Israel-Hamas parece ter se tornado confuso

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Manoela Miklos

Diretora-executiva do Instituto Brasil-Israel

Anita Efraim

​Coordenadora de comunicação do Instituto Brasil-Israel

A curiosidade e o humor são os dois melhores antídotos de primeira linha para o fanatismo. Fanáticos não têm senso de humor e raramente são curiosos. É o que diz o escritor israelense Amos Oz. O humor e a curiosidade corroem as bases de qualquer fanatismo ao trazer à baila o riso e o risco. Juntos, o riso e o risco tornam a vulnerabilidade uma condição menos sofrida, quiçá simpática. E, com isso, tornam-se alicerces de uma reflexão sobre a dor que acolhe, em vez de alienar. Que conecta quem impõe e quem sente. Por isso a curiosidade e o humor sempre foram as estratégias mais eficientes de sobrevivência e coexistência dos judeus progressistas no mundo todo.

Neste domingo (7) completam-se seis meses desde que o grupo terrorista Hamas invadiu Israel, sequestrou mais de 250 e matou cerca de 1.200. O que se seguiu foi uma ofensiva militar intensa que já deixou mais de 30 mil mortos na Faixa de Gaza, de acordo com o Hamas, incluindo uma grande quantidade de civis. No Brasil, judeus progressistas se sentem sozinhos assistindo à apropriação de símbolos ligados ao Estado de Israel por uma certa direita e escutando falas erráticas, por vezes antissemitas, de lideranças de uma certa esquerda. A guerra e tais desgostos arrancaram o riso da gente.

Manifestantes bloqueiam estrada durante protesto em Jerusalém contra o governo de Binyamin Netanyahu - Ahmad Gharabli/AFP - AFP

Além disso, sofremos nas mão de fanáticos de todos os tipos que, desprovidos de curiosidade, repetem generalizações equivocadas de novo e de novo para, com isso, alabirintar o debate público.

A radicalização e o fanatismo promovem a falsa ideia de que estamos diante de uma guerra entre civilização e barbárie —seja qual for o lado dos civilizados e qual for o dos bárbaros. Também é vista por toda parte a ideia de que o problema só será resolvido com o aniquilamento do outro lado. Como se, para o conflito acabar, alguém tivesse de deixar sua casa ou morrer por ela.

São ideias inviáveis e, sobretudo, horríveis. Nenhum dos povos, nem israelense, nem palestino, vai a qualquer lugar. Não devem ir. O pedaço de terra que está em disputa é casa de ambos. Tragicamente, o óbvio parece ter se tornado confuso. Quem defende a coexistência tem que disputar holofotes com fanáticos. Nessa briga, temos perdido exatamente porque a guerra sequestrou nossas melhores armas —a curiosidade e o humor. Sem eles, podemos pouco, e os fanáticos vão à forra.

Nas redes, tudo isso é amplificado e se perpetua. Os algoritmos vivem do abuso e do absurdo. Generalizações funcionam sempre e a ironia —filha da curiosidade e do humor— sempre fracassa. O pensamento binário que a internet dita torna cada vez mais difícil a vida de progressistas, moderados e pacifistas. Faz parecer impossível que exista alguém a favor de um Estado palestino que, ao mesmo tempo, condene o Hamas. Ou alguém que acredite nas mulheres israelenses vítimas de abusos sexuais e, ao mesmo tempo, condene as decisões militares de Israel.

Na internet, todo judeu é sionista, e todo sionista é genocida. Todo judeu é Binyamin Netanyahu. É como se um judeu, interessado no bem viver de seus filhos, seja visto como incapaz de considerar o bem-estar das crianças palestinas. Nós, na internet, não existimos.

Frente às tantas vidas ceifadas e à destruição, trabalhamos por uma paz duradoura. Pela autodeterminação. Por um Brasil que ofereça ajuda decisiva na construção desse futuro. Por conversas que partam do princípio de que há uma ligação visceral entre dois povos que moram na mesma terra e precisam dividir o chão como quem divide o pão.

De um lado, há o Hamas. Um grupo que usa o terror contra israelenses e contra o próprio povo palestino. Palestinos sob o jugo do Hamas têm medo até de demonstrar seu medo, e muita gente chama isso de "resistência" e "libertação". Do outro, um governo de extrema direita em Israel finge não ver as enormes manifestações que o questionam e ganha toda vez que judeus progressistas sucumbem à exaustão e à solidão e domam sua curiosidade e seu humor, lá e cá. Nenhum desses lados é o lado do judeu progressista que sobreviveu aos fanáticos com sua curiosidade e seu humor.

Sem a curiosidade e o humor, quase invisíveis nas redes, muitos judeus progressistas brasileiros experienciam este 7 de abril em compasso de espera. Angustiados e solitários. Certos de que, em Israel, ninguém vai ou deveria ir a lugar nenhum, fazemos o que conseguimos. Carregamos o desejo fundo de que a guerra acabe e que esse desfecho chegue logo. Para que cessem as mortes. Para que seja possível um futuro em que todos na região possam viver uma vida bem vivida. Para que o fanatismo volte para as franjas da política, como deve ser.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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