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Ramatis Jacino

Um presidente negro na origem do nacional desenvolvimentismo

Ambíguo, Nilo Peçanha atendeu oligarquias e investiu em modernização

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Ramatis Jacino

Doutor em história econômica (FFLCH-USP), é professor do Bacharelado em Ciências Econômicas e do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Mundial da UFABC; autor de "Desigualdade Racial no Brasil – Causas e Consequências"

No último domingo (31) completaram-se 100 anos da morte do único negro a ocupar a Presidência da República no Brasil (1909-10). Nascido livre em 2 de outubro de 1867, na cidade de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, Nilo Procópio Peçanha era filho de um comerciante e proprietário rural que, assim como ele, era descrito como negro por seus biógrafos. Forma-se em direito, adere à militância republicana e, em 1890, é eleito deputado constituinte, integrando a ala positivista, cuja principal referência era Floriano Peixoto.

Eleito governador do Rio de Janeiro em 1903, investiu na modernização e no desenvolvimento econômico. Eletrificou grande parte das cidades e dos bondes, construiu prédios escolares, ferrovias e pontes metálicas, promoveu saneamento, alargamento de ruas e avenidas, estabeleceu melhorias na travessia marítima da baía da Guanabara e deu grande impulso à educação profissionalizante.

O ex-presidente da República Nilo Peçanha (1867-1924) - Arquivo Nacional

Sua gestão, todavia, foi marcada pela ambiguidade, pois, em que pese as iniciativas desenvolvimentistas e modernizadoras, era diligente em atender aos interesses do seu grupo social de origem: as oligarquias cafeeiras. Assim, em fevereiro de 1906, reúne-se com os governadores de São Paulo e Minas Gerais, firmando o famoso Convênio de Taubaté, que, em afronta aos preceitos liberais que verbalizava, estabeleceu uma série de vantagens e privilégios a serem concedidos pelo poder público ao setor.

Ao alçar-se à Presidência da República, a partir de junho de 1909, e na perspectiva de gerir um Estado cujo papel seria organizar a sociedade e intervir na economia em busca do progresso, norteia seu governo sobre quatro eixos: educação profissionalizante inserida na busca do desenvolvimento agrícola e industrial; agricultura como base do desenvolvimento —que, em parceria com o Estado, alavancaria a industrialização; e investimento nas comunicações e na mobilidade. Incentivou ainda a nacionalização da indústria extrativista, mas não enfrentou abertamente o sistema financeiro internacional e optou por promover o desenvolvimento em parceria com multinacionais extrativistas.

É possível, portanto, afirmar que o nacional desenvolvimentismo, inaugurado nos anos 1930, é herdeiro das iniciativas de Nilo Peçanha. E ainda que a ponte entre as duas gerações tenha sido a Reação Republicana, articulação cívico-militar que apoiou sua tentativa de volta ao poder em 1922 e que está na origem do tenentismo, cujos ideais, assim como algumas lideranças, foram incorporados pelo governo de Getúlio Vargas.

O apagamento da trajetória de negros que se destacaram nas mais diversas áreas ou o seu branqueamento tem-se mostrado valioso instrumento para a afirmação do racismo em nosso país. Nilo Peçanha foi objeto dos dois. Lançar um pouco de luz sobre a extraordinária contribuição dessa importante personagem negra no centenário da sua morte vem no sentido de contribuir para que superemos esta e tantas outras lacunas na nossa história.

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