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Adriana Ventura

O sistema de cotas no serviço público deve ser ampliado? NÃO

Reforço à discriminação; processo seletivo deve garantir acesso aos melhores profissionais possíveis

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Adriana Ventura

Deputada federal (Novo-SP), é doutora em administração de empresas e professora de gestão e empreendedorismo na FGV-Eaesp

Recentemente, a USP negou matrícula a um cotista pardo. O episódio evidenciou a discricionariedade do processo seletivo. O que é um preto? O que é um pardo? Essas perguntas, depois que o projeto Genoma da National Geographic apontou que não existe raça, já deveriam ter deixado de existir. Somos iguais —e não só perante a lei.

Mas ainda estamos fazendo um processo seletivo na melhor universidade do Brasil baseado em traços (fenótipo), criando uma comissão para julgar se um jovem é suficientemente preto para merecer estudar ali. Discutir esse absurdo é importante também porque estamos prestes a renovar a Lei de Cotas para negros na administração pública por mais 25 anos.

Ações afirmativas, criadas para conferir direitos especiais a um grupo desfavorecido, mostram fragilidade ao não determinar com critérios claros o próprio grupo. A etnia é uma autodeclaração e, como tal, qualquer um pode se declarar como quiser (o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, mudou de branco para pardo).

O fato é que os editais de recrutamento não deveriam ser baseados em características demográficas nem tampouco descer a régua para incluir grupos especiais. O processo seletivo, ao contrário, deveria garantir o acesso aos melhores profissionais possíveis independentemente de sexo, gênero, idade, etnia.

Isso porque a missão do serviço público é atender a população em áreas essenciais como saúde, educação e segurança pública. E para atender de maneira eficiente, visando o bem-estar coletivo, devemos ter à disposição os profissionais mais qualificados para tanto. O foco da contratação profissional não deve ser recompensar o profissional merecedor, mas propiciar à sociedade o melhor profissional possível para prestar o serviço público.

Para além da questão utilitarista, a cota tem um efeito perverso: reforça o preconceito. Ao dar créditos a mais para grupos demográficos julgados injustiçados pelos idos tempos —caso da reparação histórica dos escravos— ou julgados discriminados pelos tempos atuais —casos das vagas para pessoas trans, presos em ressocialização ou pessoas em situação de rua—, a cota, em vez de diminuir o preconceito, reforça a discriminação, estigmatizando o grupo de pessoas que teve acesso à determinada vaga por "tratamento especial". Com isso, cria-se um ambiente em que os cotistas são carimbados como menos capazes, perpetuando o preconceito em vez de aniquilá-lo, intensificando as tensões sociais e reforçando as diferenças que não deveriam existir em um mundo realmente inclusivo.

Como resolver o problema da diversidade? Hoje, para garantir uma seleção desprovida de racismo estrutural, empresas fazem processos ocultos em que os avaliadores não têm acesso a informações censitárias sobre os participantes. Neste tipo de edital às escuras, o recrutamento é feito por prova, análise do currículo (sem mostrar a faculdade) e entrevista com câmera fechada. Isso para evitar racismo, machismo, etarismo, capacitismo ou homofobia.


E como garantir às minorias bom desempenho nas avaliações? Atacando a verdadeira raiz do problema da falta de inclusão e de diversidade: a educação básica. Enquanto não houver de fato educação de qualidade para todos, enquanto um em cada três brasileiros for analfabeto funcional, continuaremos garantindo a fórceps vagas para quem foi prejudicado por falta de oportunidades no começo da vida.

A educação de qualidade é a única maneira de garantir oportunidades iguais, inclusão social e diversidade. Cotas são uma maquiagem para esconder o problema que todos conhecem mas não têm interesse em resolver: pretos, pardos e indígenas têm um desempenho no Enem muito inferior do que a média da população em todos os quesitos. E não são as cotas que resolverão isso.

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