Descrição de chapéu machismo

Direito ao aborto deve ser revisto e ampliado, opinam leitoras

Ação de juíza para impedir fim de gravidez de criança estuprada em SC é criticada

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Americana (SP)

A Folha convidou as participantes do Projeto Leitoras para que opinassem sobre o caso de uma criança de 11 anos, grávida após um estupro, que foi impedida de ter acesso ao aborto legal por uma juíza em Santa Catarina. O caso foi revelado nesta semana pelo The Intercept.

As leitoras responderam a duas perguntas: "O que você acha da decisão da juíza?" e "Qual sua opinião sobre a legislação brasileira sobre o aborto?".

Protesto em Brasília contra políticas que dificultam o acesso ao aborto legal no país, em 2020 - Pedro Ladeira - 20.ago.2020/Folhapress

O aborto é autorizado em três casos no Brasil: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.

Nas demais situações, a interrupção da gravidez é considerada crime, de acordo com o Código Penal, de 1940. A mulher que provocar um aborto em si mesma pode ser condenada a pena de 1 a 3 anos de prisão.

No entanto, mesmo mulheres que atendem aos critérios legais têm enfrentado obstáculos para ter acesso ao aborto legal no país.

Juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina.
A juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina - Solon Soares/Agência ALESC

A menina de 11 anos foi encaminhada pela família ao Hospital Universitário de Florianópolis para realizar um aborto, mas a equipe médica recusou-se a realizar o procedimento porque a gestação já passava de 22 semanas. Não há na lei, porém, essa limitação expressa.

O caso chegou à Justiça, e a magistrada Joana Ribeiro Zimmer, do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e a promotora Mirela Dutra Alberton, do MP-SC (Ministério Público de Santa Catarina), tentaram induzir a menina a desistir do aborto legal.

A menina conseguiu realizar o aborto na quarta (22) à noite.

As leitoras usaram palavras como "abominável", "injusta", "absurda" e "violenta" em referência à decisão da juíza.

"Vergonhosa!!! Chamar o feto de bebê, perguntar se já tem nome, chamar o estuprador de pai!!! São tantos absurdos que desmoralizam o Judiciário", afirmou a assessora de imprensa Bety Jardinovsky, 61, de São Paulo (SP).​

Quanto à legislação, a maioria opinou que está ultrapassada e precisa ser atualizada.

Chamar o feto de bebê, perguntar se já tem nome, chamar o estuprador de pai!!! São tantos absurdos que desmoralizam o Judiciário

Bety Jardinovsky

assessora de imprensa de São Paulo (SP)

"É um absurdo que as mulheres vivam a insegurança jurídica de não conseguir acessar o seu direito devido a interpretações dúbias das autoridades. Mulheres são humilhadas, violentadas psicologicamente cada vez que precisam acionar esse direito, reforçando ainda mais a violência já sofrida pelo estupro ou por uma gravidez que coloca em risco a própria vida dela", afirmou a servidora pública Luciana Barrozo da Silva Bento, 37, de São Paulo (SP).

"A legislação está defasada, não respeita a humanidade das mulheres e as expõe a uma jornada cruel em busca de seus direitos. A despeito disso, precisamos discutir com maturidade a possibilidade de realização do aborto para além das hipóteses já previstas, trazendo para as mulheres a autonomia sobre seus corpos", acrescentou.

A legislação está defasada, não respeita a humanidade das mulheres e as expõe a uma jornada cruel em busca de seus direitos. Precisamos discutir com maturidade a possibilidade de realização do aborto para além das hipóteses já previstas, trazendo para as mulheres a autonomia sobre seus corpos

Luciana Barrozo da Silva Bento

servidora pública de São Paulo (SP)

Pesquisa do Datafolha divulgada neste mês mostrou que a parcela da população brasileira que quer proibir o aborto em qualquer circunstância caiu de 41% para 32% de dezembro de 2018 até hoje.

O aborto ainda é um tema polêmico no país e levado mais pela parcialidade e pela visão religiosa do que por uma visão técnica e objetiva. O tratamento que essa temática deveria receber deveria levar em conta dados estatísticos e a opinião de médicos e especialistas, e não apenas de políticos

Carolina Esther Souza Gomes

estagiária de São José dos Campos (SP)

O Projeto Leitoras é uma iniciativa da Folha para se aproximar de seu público feminino por meio de grupos de discussão no WhatsApp e outras ações. Para participar, envie um e-mail para interacao@grupofolha.com.br dizendo seu nome, idade, cidade, ocupação e temas de interesse.

Leia a seguir os comentários enviados pelas leitoras.

"Abominável [a conduta da juíza]. Retrógrada, injusta e hipócrita [a legislação]."

Katia de Lima Pessanha, 63, escritora, de Curitiba (PR)

"Criminosa [a conduta da juíza]. O aborto deveria ser amplamente legal".

Elin Ceryno, 69, professora aposentada, de São José (SC)

Absurda, irresponsável e violenta com a criança e sua família. O papel dela seria proteger, e ela causou mais violência ainda.

[A legislação] Precisa ser revisada. O aborto precisa ser encarado como questão de saúde publica. É necessário a criação de políticas públicas para educação sexual, apoio e aparo à mulher, às crianças e à adolescentes, além da sua descriminalização.

Michele Delgatti Pelaes, 38, gerente de Araraquara (SP)

A juíza foi muito antiética e parcial em sua decisão, não levou em conta o direito da criança e se utilizou da sua posição de autoridade para induzir a criança a se posicionar sobre questões que estão além do que ela tem condições de dimensionar. Ela ainda reforçou a opressão que a criança tem sofrido ao fazer referência ao estuprador como se a opinião dele tivesse mais importância que o risco de vida que a criança sofre. Infelizmente mais um exemplo da prepotência do Judiciário, que frequentemente extrapola suas funções julgando e atuando sem imparcialidade, contrariando as leis e tentando impor valores pessoais dos magistrados.

A legislação sobre o aborto precisa ser atualizada. É um absurdo que as mulheres vivam a insegurança jurídica de não conseguir acessar o seu direito devido a interpretações dúbias das autoridades. Mulheres são humilhadas, violentadas psicologicamente cada vez que precisam acionar esse direito, reforçando ainda mais a violência já sofrida pelo estupro ou por uma gravidez que coloca em risco a própria vida dela.

A legislação está defasada, não respeita a humanidade das mulheres e as expõe a uma jornada cruel em busca de seus direitos. A despeito disso, precisamos discutir com maturidade a possibilidade de realização do aborto para além das hipóteses já previstas, trazendo para as mulheres a autonomia sobre seus corpos.

Luciana Barrozo da Silva Bento, 37, servidora pública de São Paulo (SP)

Essa criança foi violentada três vezes: pelo estuprador, pelos médicos que negaram o procedimento e por essa juíza –não nos esqueçamos da promotora que também participou da tortura. A legislação é fraca, deixa margem a interpretações pessoais, como a que os médicos que atenderam a menina fizeram. Por isso o caso da criança foi levado para o judiciário. A lei deveria ser mais explícita para que vítimas de estupro, por exemplo, pudessem ter seu direito garantido sem passar por esse tipo de constrangimento.

Ana Luisa Trigo, 52, jornalista de São Paulo (SP)

Terrível [a atuação da juíza].

Celia Bueno de Andre, 60, psicóloga de São Paulo (SP)

A decisão é absurda, levando em consideração a idade da criança e o crime praticado contra ela. Por respeito ao princípio da dignidade humana e da proteção da infância, essa juíza deveria ser responsabilizada por todos os prejuízos da menina após a descoberta da gravidez. Um horror!

O Estado não tem de interferir na vida privada das pessoas e em suas decisões. Obviamente o aborto deve ser reservado a casos realmente necessários como os previstos na legislação brasileira. Entendo que mais que uma recriminação legal pela prática, a autorrecriminação à qual a mulher se submete ao optar pelo aborto já é uma prova dura de ser encarada. Isso sem mencionar os custos públicos com a saúde da mulher que realiza procedimentos sem assistência adequada.

Alessandra Zocoli Borges Bleinroth, 44, advogada de Quatá (SP)

O aborto em caso de violência sexual é legalizado no Brasil desde 1940. É violento, ultrajante e desumano tentar coagir uma criança de 11 anos a levar a gestação adiante, em um corpo que ainda está em formação. Isso pode trazer consequências psicológicas graves. A tentativa é violenta porque fere a autonomia sobre o próprio corpo e a dignidade da vítima.

​Além disso, não é a idade de quem violentou que vai determinar se a menina aborta ou não, pois toda criança de até 14 anos pode abortar sem precisar ir a uma delegacia ou sem que haja investigação e sem que a Justiça libere. Não é a religião, Deus, ou sobre quem acha o quê. Ser contra o aborto legal de uma menina de 11 anos não é apenas uma afronta à Justiça, é uma afronta e uma violência contra todas as mulheres brasileiras, contra o direito do nosso próprio corpo. O Estado é laico, e criança não é mãe.

Heliana Querino, 46, jornalista de Fortaleza (CE)

A juíza e a promotora demonstraram uma total insensibilidade no trato de uma criança, cujo abuso chegou a um ponto de risco para sua própria existência. Nenhuma das notícias que li informou sobre o paradeiro do abusador. Ao hospital que se recusou [a realizar o procedimento] cabe responder por violação da norma legal. A juíza foi parte de uma comédia de erros que falhou em amparar uma criança vítima de abuso. Onde estavam os pais, parentes, escola, conselho tutelar, pediatra etc?

É uma legislação que se apresenta lacunosa e sujeita a manipulações interpretativas, seja na sua regulamentação para o amparo médico às mulheres que decidem pelo aborto, seja no âmbito médico, que traça limites de tempo para a realização do procedimento. Não temos políticas robustas de amparo ao abuso sexual na infância e muito menos à maternidade. Assim fica fácil criminalizar a vítima.

Fabiana de Menezes Soares, 53, docente servidora pública federal de Belo Horizonte (MG)

Absurda, retrógrada, desumana [a conduta da juíza]. Muito conservadora [a legislação].

Amanda Diniz Lopes Schünemann, 42, dentista de Belo Horizonte (MG)

Um espanto. A menina foi vítima de uma destituição da sua condição de sujeito, da sua subjetividade e do seu lugar social de criança cuja proteção, pelos adultos responsáveis e Instituições, é obrigatória e garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A juíza, com sua decisão, ocupa hoje o lugar de porta-voz do fracasso dos dispositivos jurídicos sociais e institucionais cuja a função é de operar as leis para garantir a vida e a integridade física e psicológica dos cidadãos. Uma criança precisa ser preservada do pior.

A legislação do aborto brasileira pode ser considerada uma conquista importante para as mulheres, o que não significa dizer que não pode e deve ser aprimorada na sua consistência e na produção de eficácia. No entanto, importa destacar que o operador da lei deve ser capaz de reconhecer a diferença entre uma mulher e uma criança. Mesmo a lei autorizando o aborto e reconhecendo o direito da menina de praticá-lo, os operadores e as instituições bodejam a lei e insistem no manejo da violência e do mal-estar.

Rita de Cássia Segantini Bonança, 66, psicanalista de Jundiaí (SP)

Vergonhosa!!! Chamar o feto de bebê, perguntar se já tem nome, chamar o estuprador de pai!!! São tantos absurdos que desmoralizam o Judiciário. [A legislação] Poderia ser mais abrangente, dando mais liberdade de decisão para a mulher, sozinha, optar por seguir ou não com a gravidez.

Bety Jardinovsky, 61, assessora de comunicação de São Paulo (SP)

Abominável, obrigar uma criança a ter um filho de seu estuprador foi uma violência maior que o próprio estupro. A legislação tem que ser mais clara e precisa prever que em casos de estupro e crianças, nem se necessita de audiência e juízes. Enquanto a Justiça pensa, a criança vai gestando, como nesse caso absurdo. Não há tempo para espera.

Odete dos Santos, 63, engenheira civil de São Paulo (SP)

Absurda! Uma decisão ideológica e não legal.

A atual legislação é um tanto ultrapassada, pois permite o aborto apenas em três casos no Brasil: o de estupro, o de risco à vida da gestante e anencefalia do feto. A lei de 1940 não permite que a mulher faça suas próprias escolhas. Por outro lado, sabemos que o procedimento acontece (permitido ou não), causando milhares de mortes em clínicas clandestinas, principalmente entre as mais jovens e pobres.

Maria Angélica Beraldo, 55, bibliotecária de Santos (SP)

Uma decisão burra, parcial e que deveria ser contestada pelo Ministério Público. Essa juíza deveria perder o cargo, assim como todos os outros agentes que validaram isso. Obrigar uma criança de 11 anos a levar uma gravidez para frente deveria ser passível de cadeia, já que coloca a vida da criança em risco e desrespeita os direitos humanos.

Acredito que há muitos problemas com a legislação e que tanto a impunidade para com o estuprador, quanto para a própria juíza que, de certa forma, validou isso, prejudicam ainda mais a vítima e às futuras vítimas de estupro no Brasil. O aborto, infelizmente ainda é um tema polêmico no país e levado muito mais pela parcialidade e pela visão religiosa do que por uma visão técnica e objetiva. O tratamento que essa temática deveria receber deveria levar em conta dados estatísticos e a opinião de médicos e especialistas no assunto, e não apenas de políticos.

Carolina Esther Souza Gomes, 23, estagiária e estudante de São José dos Campos (SP)

Absurda! Ela foi cruel com a menina, a obrigando a aceitar uma gravidez gerada de um estupro e que coloca sua vida em risco.

[A legislação] precisa ser revisada e atualizada pensando na vontade da mulher e não dos outros.

Carla Aparecida da Silva Vitor, 50, analista imobiliária de São Paulo (SP)

Além de ser juridicamente contestável, é desumana e monstruosa, pois não se preocupa com a criança vítima da violência e nem em buscar o agressor.

É falha e não tem o foco onde deveria: saúde pública. Não é necessário fazer muito esforço nem muitas considerações morais ou éticas. O aborto, assim como a contracepção, são temas de saúde pública.

Lilia da Silva Sendin, 50, servidora pública do Rio de Janeiro (RJ)

Inaceitável para uma juíza.

[A legislação é] Incompleta. Deveria haver mais opções, baseadas nos levantamentos de casos concretos existentes.

Janetti Nogueira de Francischi, 67, professora universitária aposentada de Belo Horizonte (MG)

Equivocada. Errada. Aberração. Infeliz.

O aborto legal é a única forma de acabarmos com mortes de mulheres por realizarem abortos ilegais. Também precisamos valorizar a opinião das mulheres que não desejam gravidezes indesejadas e/ou que foram vítimas de agressão sexual. Legalizar é uma questão de saúde pública e dar voz a quem nunca é ouvida.

Renata Maciel Camillo, 34, arquivista e estudante do Rio de Janeiro (RJ)

Preconceituosa e desumana.

Atrasada, preconceituosa, não respeita o direito da mulher sobre seu próprio corpo, suas escolhas. Quero deixar sugestão de que o tema seja abordado por vieses e debates urgentes do campo da educação não só no Brasil mas em todo o mundo, que perpassa a educação sexual nas escolas e está tecido nesse contexto mais amplo no qual o caso em destaque está vinculado. Existem pesquisas que apontam a importância da educação sexual nas escolas e sua incidência na vida sexual e afetiva mais saudável, mais madura, mais segura, mais autônoma, mais consciente, e em números menores de aborto e assédio.

Camila Serino Lia, 49, educadora de Atibaia (SP)

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