Discriminação contra brasileiros em Portugal é tema de conversa da Folha com leitores

Eles bateram um papo com a repórter Giuliana Miranda, baseada em Lisboa

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Americana (SP)

Os recentes episódios de discriminação racial contra brasileiros em Portugal, –como as ofensas racistas proferidas por uma portuguesa contra os filhos dos atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso– foram o pano de fundo para uma conversa virtual entre leitores da Folha e a repórter Giuliana Miranda, que vive em Lisboa desde 2014.

Reprodução de tela de videoconferência com sete participantes
A repórter da Folha Giuliana Miranda (no meio, à direita) conversa com leitores - Reprodução

Os brasileiros são a comunidade estrangeira mais numerosa em Portugal: oficialmente, são 252 mil pessoas em uma população de 10 milhões. É um recorde, mas é também um número subestimado, uma vez que não leva em conta brasileiros com cidadania portuguesa ou de outro país europeu ou brasileiros em processo de regularização.

Ao mesmo tempo, aumentaram as queixas de discriminação racial contra brasileiros.

"Fiquei com a impressão de que as instituições políticas de Portugal querem construir um tipo ideal de sociedade aberta, e isso é muito bom. Mas esse tipo ideal perseguido pela elite política pode ser que não encontre uma total correspondência no seio da população, porque a gente percebe, aqui e ali, comentários discriminatórios", afirmou André Silva de Oliveira, de Belém (PA), que tem avô português e esteve pela primeira vez em Portugal neste ano.

"Existe um problema. A sensação é que as autoridades portuguesas empurram um pouco para baixo do tapete, dizendo que são um país acolhedor, e realmente é. Mas, às vezes, entre o discurso formal do governo e o que acontece realmente há muita diferença", afirmou Giuliana.

"A denúncia que Bruno Gagliasso e a Giovana Ewbank fizeram pode incentivar que outras pessoas não se calem quando estiverem diante de uma situação similar", acrescentou.

Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso na festa de seis meses de Zyan, com os filhos Bless e Titi - @gioewbank no Instagram

As heranças do colonialismo, a qualidade de vida portuguesa, a precariedade do trabalho do imigrante e a intensificação das trocas culturais entre os dois países foram outros temas abordados –além das diferenças linguísticas e do preconceito contra o português brasileiro.

"Já existe um cursinho que ensine para os brasileiros o português de Portugal?", questionou, em tom de brincadeira, o leitor Raymundo Lima.

Já produtora Maria Olívia Rugani, 28, que mora em Lisboa, se pergunta se comentários jocosos sobre sotaques não são, também, uma forma sutil de xenofobia .

Conversa com Leitores é uma iniciativa da editoria de Interação para aproximar os jornalistas do seu público e acontece uma vez por mês, em torno de temas em evidência no noticiário.

Leia a seguir alguns trechos da conversa.

Ana Trigo, 52, jornalista (São Paulo, SP)

Eu sou filha de portugueses. Algumas pessoas da minha família imigraram para Angola e depois tiveram que voltar, com o fim das guerras ultramares impostas pelo regime [António] Salazar [1933-1968]. E meus primos, quando chegaram aí, jamais se sentiram acolhidos de volta. Até os meus pais, nascidos em Portugal, não eram tratados como portugueses quando voltavam. Eram tratados como brasileiros. Com uma certa gentileza, mas já não eram portugueses.

André Silva de Oliveira, 59, advogado e cientista político (Belém, PA)

Você encontra muitos brasileiros em Portugal. Mas vi os brasileiros em ocupações que exigem baixa qualificação, como taxista e garçonete. Os empregos mais qualificados, em hotelaria, exigem o inglês. Por outro lado, jovens portugueses de classe média e das classes mais altas têm emigrado para outros países da União Europeia. Isso porque o salário mínimo em Portugal chega a ser metade do salário mínimo na França, na Holanda. Nesse sentido, pode estar havendo uma fuga de cérebros portugueses.

Antonio Carlos Mazzeo, professor universitário (São Paulo, SP)

Me parece que em Portugal, na medida em que houve uma expansão colonial muito grande, com miscigenação, se esbarra em um problema que é europeu, o crescimento da xenofobia e de uma ideologia de extrema direita. No caso dos brasileiros, há também um elemento atávico, com o processo de independência como foi. Em algumas partes do Brasil há uma certa resistência aos portugueses, como na Bahia, que teve uma guerra de independência, teve um confronto armado. E o português, quando volta, é conspurcado.

Fabiana de Menezes Soares, 53, professora universitária (Belo Horizonte, MG)

As cooperações acadêmicas existem muito antes de 2014; vários próceres da República estudaram em Coimbra. Mas eles se diziam discriminados em Portugal. Aqueles filhos das grandes famílias eram os colonizados. E ao voltar, passaram a manifestar seu desejo por uma independência de Portugal até por causa dessa desigualdade.

Fico me perguntando qual é o comportamento [dos brasileiros ] que retroalimenta esse sistema. Existem alguns comportamentos que possam levar a esse tipo de discriminação sistêmica?​

Conversa com Leitores é uma iniciativa da editoria de Interação que prevê papos periódicos entre os jornalistas da casa e os leitores sobre assuntos em evidência. Fique de olho no site e nas redes da Folha para participar dos próximos. ​

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