Luta contra a ditadura militar marca movimento estudantil no Brasil em 1968
O ano de 1968 é lembrado no mundo todo por suas revoluções. Enquanto o resto do globo era sacudido por um levante juvenil, o Brasil via o presidente Costa e Silva aumentar a repressão contra seus opositores, especialmente o movimento estudantil.
Confira o especial sobre o Movimento Estudantil
26.jun.68/Folha Imagem |
Passeata dos Cem Mil, como ficou conhecido o ato, reuniu multidão contra a ditadura |
"O engajamento era maior entre os jovens. E, nesse caso, grande parte era formada por estudantes", explica a historiadora Maria Aparecida de Aquino, professora a USP (Universidade de São Paulo).
A atividade política nas universidades já acontecia antes mesmo do golpe de 1964. Um ano antes, José Serra foi interrogado na CPI sobre a UNE (União Nacional dos Estudantes). A entidade que ele presidia era acusada de subversão e de receber financiamento da então União Soviética.
"Foram dois dias de interrogatórios. Aos 21, enfrentei parlamentares experientes que só queriam garantir manchetes escandalosas na imprensa", diz o atual governador tucano de São Paulo.
Mas foi com o aumento das restrições aos direitos civis, em 1968, que os estudantes deixaram os centros acadêmicos e foram participar de protestos ou mesmo pegar em armas.
Folha Imagem |
José Dirceu em 1968. Ele diz que ocupava a cabeça com leitura, quando ficou preso |
"Nós também lutávamos pela universalização do ensino público, reforma no ensino médio e investimento em pesquisa científica", diz o ex-ministro José Dirceu, eleito presidente da UNE, em 1967. "A oposição ao regime militar foi conseqüência dessas atividades políticas."
As tensões daquele ano começaram no dia 28 de março quando o estudante Edson Luiz de Lima Souto foi morto aos 16 anos pela polícia enquanto almoçava em um restaurante universitário no Rio de Janeiro. O enterro foi acompanhado por cerca de 50 mil pessoas.
No dia 26 de junho de 1968 o Brasil presenciou outro momento histórico: 100 mil pessoas protestaram pelas ruas do Rio de Janeiro contra a repressão e a censura. A marcha ficou conhecida como a Passeata do Cem Mil.
Um dos momentos mais tensos aconteceu no dia 12 de outubro daquele ano. Na cidade de Ibiúna, interior paulista, a polícia invadiu o 30º congresso da UNE e prendeu cerca de 800 pessoas. "A UNE estava proibida de atuar desde abril de 1964", diz a historiadora.
Aquele era o terceiro congresso clandestino promovido pelo movimento. "Antes, promovemos um em Vinhedo [interior de São Paulo] e outro em Belo Horizonte", afirma Dirceu.
Ele diz que a cúpula da UNE colocou informantes para avisar sobre a possível aproximação dos militares. "Tínhamos um a cada dois quilômetros", diz. "Nós sabíamos que a polícia estava se aproximando, mas não poderíamos fugir e deixar os estudantes."
Os alunos acabaram soltos no decorrer dos dias por força de habeas corpus, mas José Dirceu, Antônio Ribas, Luiz Travassos e Vladimir Palmeira continuaram presos.
"Na cadeia, eu tentava ocupar a cabeça estudando, fazendo ginástica e conspirando para fugir", afirma o ex-ministro. "A gente tentava conseguir jornal ou ouvir rádio para manter contato com o exterior."
As coisas não melhorariam com o discurso do deputado federal pelo MDB, Márcio Moreira Alves, no dia 3 de setembro. Na tribuna da Câmara, ele criticou a ditadura e, irônico, aconselhou as mulheres a não dançarem com militares.
Outra tensão toma conta do movimento estudantil um mês depois. Foi a "Batalha da Maria Antônia", o nome da rua em que o aluno secundarista José Carlos Guimarães, 20, foi assassinado com um tiro na cabeça no confronto que colocou de lados opostos os estudantes da Universidade Mackenzie e os alunos do curso de Filosofia da USP.
"Foi uma luta simbólica", diz a historiadora. 'Os estudantes do Mackenzie representavam a direita, enquanto os da USP seriam a esquerda."
Quando o habeas corpus de Dirceu foi finalmente expedido, Costa e Silva baixou o AI-5 (Ato Institucional nº 5) no dia 13 de dezembro, e ele permaneceu preso por mais 11 meses.
Ele e outros 15 presos políticos só foram soltos em setembro de 1969, depois que o grupo guerrilheiro MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) seqüestrou o embaixador americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, e exigiu a liberação desses presos como moeda de troca.
A condição dos militares era que eles fossem banidos para o México. "Fiquei uma semana por lá e fui para Cuba passar por treinamento militar", afirma Dirceu.
Foi com o AI-5 e o fechamento do Congresso que muitos estudantes decidiram aderir à luta armada nos anos seguintes. Além do MR-8, havia organizações como ALN (Ação de Libertação Nacional) e a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária).
Mas já no início dos anos 1970, a ditadura acaba com as guerrilhas, o que obriga os estudantes a mudar de métodos. "Alguns preferiram atuar em movimentos de bairro, ou sairam em defesa do voto nulo, enquanto outros se uniram ao MDB", afirma a professora.
Mesmo essa atuação era bastante perigosa. "A infiltração de informantes do governo nas faculdades era muito freqüente principalmente entre 1971 e 1974", diz.
"Quando voltei do exílio, em 1978, a política no Brasil havia empobrecido", afirma Serra. "Entre os jovens de minha geração, grande parte se desinteressou da política, enquanto outros foram exilados, presos ou mortos."
Mundo
A luta por liberdade não foi exclusividade dos jovens brasileiros. No resto do mundo, os direitos humanos estavam na ordem do dia.
A guerra do Vietnã provocou uma onda de protestos nos Estados Unidos. Em Praga, reformistas do Partido Comunista tentaram, sem sucesso, romper com a União Soviética, enquanto na França uma greve geral mobilizou o país.
"Aquela era a juventude do pós-guerra", diz a professora. "Eles eram engajados, românticos, queriam mudar o mundo."
Para Dirceu, "também havia um choque de cultura e idéias". "No Brasil, as estruturas de poder eram rurais, mas o país já era urbano."
Quarenta anos depois, o movimento estudantil enfrenta desafios muito diferentes. "Hoje os estudantes não têm os cacoetes do passado, como a guerra e a vinculação política", diz a historiadora.
Para Dirceu, o momento permite outras formas de protesto. "Além de política, os estudantes podem optar por uma agenda cultural ou ambiental porque já vivemos em um país democrático."
Sobre a ocupação da reitoria da USP por parte dos estudantes no ano passado, ele diz que houve excessos. "A ocupação deve servir como meio de negociar, portanto é fundamental preservar as instalações públicas, o que não aconteceu", diz. "Quando um protesto se transforma no fim e não no meio, ele acaba esvaziado."
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