Descrição de chapéu

Obra busca apresentar soluções para o país sem ofensa a rivais ideológicos

A obra não pretende ser uma receita ideológica uniforme, até porque isso seria impossível com tantos autores

Fábio Zanini
São Paulo

Na introdução do livro “Brasil: o futuro que queremos” (ed. Contexto), o coordenador, o historiador Jaime Pinsky, traça um objetivo ambicioso para os tensos dias de hoje: oferecer um diagnóstico “sem milagres, com propostas concretas, elaboradas a partir de experiência e estudos. E mais ainda, sem palavras de ordem. Sem ofender os que pensam de modo diferente”.

Jaime Pinsky, coordenador da obra “Brasil: o futuro que queremos”
Jaime Pinsky, coordenador da obra “Brasil: o futuro que queremos” - Zé Carlos Barretta - 27.jun.17/Folhapress

Para isso, ele convidou para escrever 12 especialistas em áreas que vão da educação ao esporte, passando por saúde, urbanismo, economia, política externa, agricultura e meio ambiente, entre outros. Cada um com uma dupla missão: apresentar o estado geral das coisas, listando sucessos e fracassos ao longo de décadas, e apresentar ideias para melhorar.

A primeira tarefa é mais simples. Os experts, afinal, têm larga experiência em suas áreas e apresentam análises instigantes de como e por que chegamos até aqui.

A ex-ministra Cláudia Costin, especialista em educação hoje ligada à Fundação Getulio Vargas, lembra que o Brasil fez uma opção, nos anos 1930 e 1940, por priorizar a criação de uma “elite intelectual iluminada que pudesse definir os rumos do país, investindo de forma mais incisiva, à época, no ensino superior”.

Vem daí o atraso do país na educação básica, raiz de nosso pífio desempenho em rankings internacionais.
De modo análogo, prega o patologista Paulo Saldiva, professor de medicina da USP, a estrutura do atendimento à saúde favorece atendimentos caros e complexos, em detrimento da atenção básica. “O usuário procura o hospital após dificuldades de agendamento com o especialista e exames relacionados, independentemente da gravidade de seus sintomas”.

Especialista em urbanismo, o ex-vereador Nabil Bonduki (PT) relaciona a atual crise de moradia a um conceito em voga no passado que desestimulou o planejamento global. “O higienismo, aliado ao moralismo burguês cristão, reforçou o conceito de moradia unifamiliar, chamada de moradia salubre, em clara oposição aos cortiços e casas coletivas, em sintonia com as políticas sanitárias e a moral da segunda metade do século 19 e início do 20”.

Capa do livro “Brasil: o futuro que queremos” (ed. Contexto), obra coordenada pelo historiador Jaime Pinsky
Capa do livro “Brasil: o futuro que queremos” (ed. Contexto), obra coordenada pelo historiador Jaime Pinsky - Reprodução

A obra não pretende ser uma receita ideológica uniforme, até porque isso seria impossível com tantos autores. Perpassa o livro, ao contrário, um discreto estímulo à dissonância, o que o torna mais interessante.

Na parte econômica, isso é visível. Luís Eduardo Assis, ex-diretor do Banco Central, dá um receituário liberal e louva “o abandono das ideias estrambóticas que a presidente Dilma e o ministro Mantega nutriam a respeito da economia brasileira”. 

Em seu divertido artigo, ele pede que economistas tenham a coragem de dizer “não sei” quando perguntados sobre quanto será a inflação do próximo ano. Até porque, segundo Assis, previsões do tipo podem ser feitas a custo mais baixo por “Madame Tânia, que lê tarô”.

Antônio Corrêa de Lacerda, ex-presidente do Conselho Federal de Economia, oferece um contraponto, torpedeando o que ortodoxos advogam: independência do BC, teto para gastos e a obsessão por metas de inflação.

Outro duelo interessante é o do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues com o ambientalista Fábio Feldmann. Rodrigues relativiza o impacto do agronegócio no desmatamento, diz que o Brasil ainda tem muitas áreas a serem cultivadas e reclama de incompreensão do cidadão urbano com o ruralista. Pede que o setor invista mais em comunicação para quebras resistências.

Já Feldmann cobra uma Lava Jato ambiental, articulando Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário contra agressores do meio ambiente. Sugere que a Comissão de Valores Mobiliários exija de empresas que relatem seus passivos na área.

Se o debate e os diagnósticos fluem bem, a parte dedicada a propostas mostra a dificuldade de se encontrar soluções. Para praticamente todos, a resposta é mais dinheiro, algo improvável num cenário de restrição. 

Há acenos a reformas, mas que são em sua maioria descritas de forma genérica e com baixa perspectiva de serem aprovadas em um ambiente congressual tumultuado.

Promover um debate civilizado, o que o livro em larga medida consegue, é um grande avanço, mas não basta para resolver nossos enormes problemas.

 

Brasil: O futuro que queremos
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Autor: Jaime Pinsky (coord.)

Editora: Contexto - 256 págs. (R$ 49,90)

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