Descrição de chapéu Eleições 2018

Em reunião, Alckmin interrompe Doria e insinua que é traidor

Na saída, ex-prefeito paulistano ironiza padrinho político: 'Derrota abala'

O candidato ao governo de SP João Doria (PSDB) discute com Geraldo Alckmin (na mesa, ao fundo) em reunião do partido em Brasília
O candidato ao Governo de SP João Doria (PSDB) discute com Geraldo Alckmin (na mesa, ao fundo) em reunião do partido em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress
São Paulo e Brasília

O esfacelamento do PSDB ficou evidente na reunião da direção nacional da sigla, nesta terça-feira (9), em Brasília. Num episódio atípico para seu perfil, Geraldo Alckmin, presidente do partido, insinuou que João Doria é traidor.

Candidato da sigla ao governo de São Paulo, Doria cobrava uma autoavaliação do PSDB depois de derrotas em diferentes frentes na eleição, a começar pela de Alckmin na disputa presidencial.

Áudio da discussão obtido pelo jornal "O Estado de S. Paulo" revela que neste momento Alckmin interrompe o ex-prefeito paulistano. "Traidor eu não sou", diz o ex-governador. Em seguida, uma voz abafada não identificada emenda: "E nem falso".

O ex-prefeito responde, tentando contemporizar: "Precisamos ter uma conduta com calma e equilíbrio. Estou tratando com calma e equilíbrio. Não de forma passional".

Na saída, Doria afirmou ao Painel, da Folha, que saía "em paz e sem ressentimentos". "Não saio com nenhuma mágoa." Ele deixou a reunião antes de seu término.

A reunião aconteceu a portas fechadas, mas o entrevero foi relatado à Folha por participantes enquanto ainda estava em curso. 

Doria iniciou sua fala pedindo uma salva de palmas para Alckmin, derrotado no primeiro turno da disputa presidencial. O ex-governador, então, fez sinal de não com as mãos. Segundo aliados, Doria interpretou o gesto como um "não precisa". Já alckmistas dizem que ele estava mesmo recusando a homenagem.

Ao deixar a reunião, Doria disse a jornalistas que discutiu com Alckmin porque a legenda não se programou financeiramente para o segundo turno nas disputas estaduais e foi irônico ao se referir ao presidenciável derrotado.

"Quando você sai de uma campanha com um resultado inesperado, isso abala emocionalmente, gera sofrimento pessoal", afirmou.

Alckmin, por sua vez, em entrevista, disse que não discutiria política pela imprensa e negou falta de previsão financeira. "Não é verdade que não haja previsão para o segundo turno. É claro que os candidatos sempre têm uma expectativa maior", afirmou.

Questionado se apoiaria a candidatura de Doria em São Paulo, Alckmin respondeu já deixando a sala da entrevista: "Vou, vou, claro".

O tesoureiro do partido, deputado Sílvio Torres (SP), disse que, desde o começo, os candidatos sabiam que o PSDB tinha R$ 210 milhões para gastar nas eleições.

Torres afirmou que, dos R$ 43 milhões a que Alckmin teria direito, gastou apenas R$ 25 milhões e o restante foi distribuído por outras candidaturas, inclusive a de Doria.

"Cada um poderia ter guardado seu recurso para o segundo turno", afirmou, ironizando, em seguida, o candidato de São Paulo. "Talvez ele esteja se vendo com dificuldades para fazer o segundo turno."

Para encerrar a reunião, Alckmin citou Mario Covas. "Eleição a gente perde e a gente ganha, o importante é estar do lado certo."

Ele afirmou que a derrota não foi apenas do PSDB, "a falência é da política". Citou como exemplo a derrota de Paulo Skaf (MDB) na disputa pelo governo de São Paulo, no primeiro turno.

"O MDB é o partido mais forte do estado e não foi nem para o segundo turno. É um fenômeno atípico."

Alckmin afirmou que "não há nada mais passageiro que momentos eleitorais. Temos que ter coerência", cobrou.

Ele disse que foi a sétima assinatura da fundação do PSDB e que sua candidatura era para se distinguir da do PT e de Bolsonaro. "Saímos para fazer a diferença."

Doria está em uma ofensiva para tirar Alckmin do comando nacional do PSDB. O ex-governador, porém, deu sinais a correligionários de que não abrirá mão do posto.

Foi Alckmin o responsável pela ascensão de Doria dentro do PSDB. O ex-presidenciável tucano comprou uma briga interna pesada para lançar o então aliado à Prefeitura de São Paulo, em 2016.

Após vencer a disputa, Doria passou a articular uma candidatura própria à Presidência da República. Alckmin se impôs, saiu candidato ao Planalto e Doria deixou a prefeitura para disputar o governo. 

Ao longo da campanha, porém, com o padrinho político passando por dificuldades, o ex-prefeito passou a flertar com Jair Bolsonaro (PSL).

No domingo (7), logo após a votação do primeiro turno, quando Alckmin já havia perdido e o PSDB amargava o pior resultado desde sua fundação, Doria declarou apoio ao candidato do PSL.

A pauta da reunião desta terça era a posição da sigla no segundo turno entre Bolsonaro e Fernando Haddad (PT). A decisão foi pela neutralidade, liberando militantes e líderes partidários "para que decidam de acordo com sua consciência, com sua convicção e com a realidade de seus estados", nas palavras de Alckmin.

A decisão não foi consensual. Doria, por exemplo, queria que o partido tomasse uma posição. "O eleitor é que vai escolher. Não nos sentimos representados nem por um nem por outro", justificou o presidente do PSDB.

Indagado sobre quem, pessoalmente, ele apoiaria, Alckmin respondeu que ninguém. "A exemplo de FHC, é nem um nem outro, oposição a um, oposição a outro."

Desde domingo (7), quando o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, defendeu troca no comando partidário, o grupo de Doria se movimenta para enfraquecer adversários internos.

O diretório municipal expulsou Saulo de Castro, aliado de Alckmin, e Alberto Goldman, próximo a Serra. A executiva nacional desautorizou o ato.

Nesta terça, aliados de Alckmin contra-atacaram. 

"Meu PSDB é o do Mario Covas e Geraldo Alckmin, e não o dos oportunistas, dos mentirosos, dos que não têm palavra, dos que oscilam de acordo com interesses mesquinhos e se apequenam na adesão interesseira", retrucou Saulo de Castro, secretário estadual do governo Márcio França (PSB).

"É um absurdo esse tipo de postura, é grêmio estudantil, o mais complicado possível. E roupa suja a gente lava em casa", atacou o prefeito de Ribeirão Preto (SP), Duarte Nogueira (PSDB). "Pedir a saída do Geraldo da presidência do PSDB é um golpe."

Os prefeitos de Santo André, Paulo Serra, e de São Caetano do Sul, Auricchio Junior, também criticaram a "exposição negativa em praça pública de nossos principais líderes". 

"Um partido político não se constrói do dia para a noite, e, suas lideranças, que foram vitoriosas até aqui, não podem sem descartadas diante de um insucesso eleitoral." 

Em nota, os presidentes do PSDB no Estado, Pedro Tobias, e na cidade, João Jorge, além do presidente da Assembleia, Cauê Macris, e do líder do partido na Casa, apoiaram Alckmin.

"Divergências internas fazem parte do processo democrático e não podem se sobrepor à necessidade de unir a legenda diante do objetivo maior que será vencer as eleições em São Paulo contra o PSB (Partido Socialista Brasileiro), que tem um histórico de ligações intimas com o PT (Partido dos Trabalhadores)", afirmaram em nota. 

"No momento em que o Brasil condenou nas urnas todas as práticas da velha política, é natural que PSDB reflita sobre os caminhos a serem trilhados para estar em sintonia com as novas demandas que a sociedade brasileira impõe."

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