Descrição de chapéu Lava Jato

Operadores da Lava Jato foram de conselheiros a faz-tudo em cadeia do Paraná

Adir Assad e Fernando Baiano circulavam em todas as rodas de presos da operação

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São Paulo

Na ala VIP do complexo penal que abriga presos da Lava Jato, em Pinhais (PR), a sintonia dos canais de televisão era muito ruim. A Record pegava mal, a Band um pouco melhor, mas a Globo era a pior de todas. Um festival de chuviscos e chiados.

Viviam no local, em 2015, empreiteiros, políticos, empresários e dois operadores: Adir Assad e Fernando Baiano. Adir fazia esquemas fraudulentos em São Paulo, preferencialmente em obras do governo do PSDB. Baiano arquitetava negociatas federais com políticos do então PMDB.

Os operadores Adir Assad e Fernando Baiano, presos na Lava Jato - Sérgio Lima - 28.ago.2012/Folhapress e Heuler Andrey - 14.jan.2016/Folhapress

Até serem pegos pela Lava Jato, eram famosos pelas habilidades em ajudar empresários a conseguir contratos e para pagar propina a políticos e agentes públicos.

Na cadeia, Adir e Baiano continuaram a fazer operações que uniam interesse de empreiteiros, políticos e os deles, claro. Uma delas foi melhorar a qualidade do sinal da televisão.

Histórias de dois dos mais folclóricos presos da Lava Jato estão no livro A Elite na Cadeia – O dia a dia dos presos da Lava Jato, do jornalista Wálter Nunes, repórter da Folha. A obra, da editora Objetiva e que chega às livrarias no próximo dia 22, retrata o cotidiano na prisão dos principais alvos da maior operação de combate à corrupção do país.

Os casos se passam nas carceragens da Polícia Federal, em Curitiba, e no Complexo Médico Penal, em Pinhais, presídio estadual do Paraná onde os presos do Petrolão cumprem pena.

Por 280 páginas, o livro relata episódios envolvendo o ex-presidente Lula, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, o ex-ministro Antonio Palocci, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-governador Beto Richa e outros personagens célebres presos pela Polícia Federal.

Os casos de Adir Assad e Fernando Baiano se destacam. Eles foram dois dos presos mais populares tanto do Complexo Médico quanto da carceragem da PF.

Adir logo de cara ficou amigo de Emerson Rodes, o preso mais temido do lugar. Ex-PM, Rodes havia sobrevivido a uma rebelião em que foi caçado por desafetos armados. Fora da cadeia, assaltava empresas e bancos. No trato com Rodes, todos tomavam cuidado, menos Adir.

Num dia de visitas, o operador, com seu jeito brincalhão, tascou um beijo no rosto da mulher do policial, sendo que, numa cadeia, só olhar para a esposa de outro preso já pode ser fatal.

Rodes ficou perplexo e repreendeu Adir. Deu uma dura no operador e falou sobre o risco que ele corria. Ouviu de volta. “O que é que tem cumprimentar com beijinho? A minha mulher está ali na mesa. Vai lá e dá um beijo nela.” Aquilo ficou por isso mesmo. O ex-policial se divertia com as brincadeiras do operador.

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Depoimento de Adir Assad na Justiça Federal - Junior Pinheiro - 14.mai.2015/Folhapress

Em outra ocasião, foi Adir a repreender o bandido mais perigoso da cadeia. Rodes havia tratado mal a própria esposa na frente dos outros presos. Adir esculhambou o ex-policial. Xingou e disse que aquilo não se fazia. Rodes o pegou pelo colarinho e levou para dentro de uma cela vazia. Os presos ficaram apreensivos. Dentro do cubículo Rodes ameaçou matar o operador.

“Vai me matar?”, perguntou Adir. “Eu sou seu amigo. E você está errado.” Rodes então deu uma lição. “Olha aqui, Adir! Você nunca mais vai fazer isso. Eu gosto de você, mas você não pode falar comigo assim na frente de todo mundo.” Adir então perguntou o que deveria fazer quando Rodes estivesse cometendo algum erro. “Pode me dar bronca, mas só entre nós.”

Baiano era mais discreto. Mas ganhou fama de 'resolvedor' de problemas. O teste definitivo foi justamente melhorar o sinal da televisão da ala da prisão.

De segunda a sexta, os presos da Lava Jato se reuniam em frente ao aparelho de TV na hora do Jornal Nacional para saber das novidades da operação policial e ver como cada um ali era retratado quando protagonizava o noticiário —e sempre havia pelo menos um deles em uma reportagem.

A péssima qualidade do som e da imagem irritava os presos. Até que Fernando Baiano teve uma ideia. Os empreiteiros estavam dispostos a patrocinar a compra de componentes e antenas que melhorassem a captação do sinal da TV, mas a lei proíbe que detentos comprem material para o presídio.

A solução era fazer tudo via Conselho da Comunidade, uma entidade civil de direitos humanos que observa as condições dos presídios paranaenses. O conselho, sim, poderia fazer doações para o Complexo Médico Penal. E os empreiteiros, por sua vez, poderiam doar para a entidade.

Baiano ajustou isso com os agentes e com a direção do presídio, combinou com seus colegas de Lava Jato e pediu autorização aos presos mais perigosos que comandavam a galeria. A condição imposta foi que a instalação fosse feita para todas as celas da sexta e quinta galerias. E assim foi feito.

 
CPI da Petrobras ouve Fernando Baiano - Júnior Pinheiro - 14.maii.2015/Folhapress

O responsável pela instalação, convocado por Baiano, foi um preso chamado Marlon. Ex-agente de segurança particular, foi preso após torturar e matar um estudante que havia pichado o muro de uma clínica médica.

O crime de Marlon ficou conhecido no Paraná pela brutalidade e porque o rapaz assassinado era filho de um importante jornalista do estado. Mas Marlon tinha credenciais para o trabalho proposto por Baiano porque, além de vigia, também instalava câmeras e aparelhos de monitoramento.

A instalação ficou boa. Os aparelhos de TV foram fixados na parede, e os fios, presos nos cantos, como num quarto de hotel. O sinal melhorou consideravelmente com receptores e antenas novas. Os presos da Lava Jato passaram a assistir o noticiário da Globo com nitidez e com som sem ruídos.

A esperteza de Adir e Baiano não passou desapercebida pelos carcereiros, que queriam dar um jeito de saber o que se passava entre os presos da Lava Jato, que se agrupavam em blocos.

Havia a rodinha dos políticos do PT, um grupo de executivos da empreiteira OAS, outro da Andrade Gutierrez, outro da Odebrecht, outro de políticos de outros partidos. Já Adir Assad e Fernando Baiano circulavam bem em todas as rodas.

O agente penitenciário Toninho, o mais experiente da sexta galeria do complexo, convenceu Adir e Baiano de que deveria saber antes das coisas que aconteceriam ali, para evitar problemas. Baiano e Adir, então, passaram a ajudá-lo.

Toninho também passou a aconselhar os dois sobre como sobreviver numa cadeia. Adir consultou o carcereiro até quando pensou em fazer um acordo com a Procuradoria para contar o que sabia sobre os esquemas de desvio de dinheiro, ainda no início da Lava Jato.

“Quem chega primeiro toma água limpa”, disse Toninho, sugerindo que ele delatasse antes que outros fizessem. Adir e Baiano optaram pela delação premiada.

A Elite na Cadeia

  • Preço R$ 49,90 (278 págs.)
  • Autor Wálter Nunes
  • Editora Objetiva
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