Descrição de chapéu Coronavírus

Bolsonaro reconhece crise, mas insiste em remédio; leia íntegra comentada do pronunciamento

Em discurso, presidente volta a usar frase da OMS sem lembrar que chefe da entidade defende isolamento social

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São Paulo

Em seu novo pronunciamento em rede nacional, nesta terça-feira (31), o presidente Jair Bolsonaro amenizou o tom de suas declarações, mas voltou a insistir em pontos de sua estratégia em relação ao coronavírus, como o uso de um medicamento de eficácia não comprovada e o foco em grupos de risco.

Ele também acenou a outros Poderes e aos governadores, que vinham sendo criticados em suas manifestações diárias sobre a pandemia da Covid-19. Horas depois do pronunciamento, porém, voltou a atacar os governadores ao publicar em rede social relato de desabastecimento em Belo Horizonte, que posteriormente ele próprio tirou do ar.

Leia a seguir o discurso comentado do presidente da República:

Pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, nesta terça (31)
Pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, nesta terça (31) - Reprodução

Boa noite.

Venho neste momento importante me dirigir a todos vocês. Desde o início do governo temos trabalhado em todas as frentes para sanar problemas históricos e melhorar a vida das pessoas.

O Brasil avançou muito nesses 15 meses, mas agora estamos diante do maior desafio da nossa geração.

Depois de semanas minimizando os efeitos da pandemia, Bolsonaro deu sua declaração mais forte até agora sobre o tamanho da dificuldade enfrentada pelo país. O comandante do Exército, Edson Pujol, usou palavras parecidas há uma semana: "Talvez seja a missão mais importante da nossa geração".

Líderes mundiais vêm tratando a pandemia e seus efeitos como o maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), como disse a chanceler alemã, Angela Merkel.

Porém, nesta terça-feira pela manhã, ao encontrar apoiadores na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro havia adotado tom diferente: "Quem tem abaixo de 40 anos de idade, segundo dizem aí os médicos, a chance de óbito é quase zero. Então, não tem por que não deixar esse pessoal trabalhar".

Minha preocupação sempre foi salvar vidas, tanto as que perderemos para a pandemia quanto aquelas que serão atingidas pelo desemprego, violência e fome.

Me coloco no lugar das pessoas e entendo suas angústias. As medidas protetivas devem ser implementadas de forma racional, responsável e coordenada.

Bolsonaro volta a adotar o discurso de opor medidas sanitárias aos efeitos à economia

Nesse sentido o senhor Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, disse saber que 'muitas pessoas, de fato, tem que trabalhar todos os dias para ganhar seu pão diário' e que 'os governos têm que levar esta população em conta'.

Continua ainda, 'se fecharmos ou limitarmos movimentações, o que acontecerá com estas pessoas, que têm que trabalhar todos os dias e que têm que ganhar o pão de cada dia todos os dias?' Ele prossegue, 'então, cada país, baseado em sua situação, deveria responder a essa questão'.

O diretor da OMS afirma ainda que, com relação a cada medida, 'temos que ver o que significa para o indivíduo nas ruas' e complementa 'eu venho de família pobre, eu sei o que significa estar sempre preocupado com seu pão diário e isso deve ser levado em conta porque todo indivíduo importa. A maneira como cada indivíduo é afetado pelas nossas ações tem que ser considerada'.

Não me valho dessas palavras para negar a importância das medidas de prevenção e controle da pandemia, mas para mostrar que, da mesma forma, precisamos pensar nas mais vulneráveis. Esta tem sido a minha preocupação desde o princípio.

O diretor da OMS, porém, na mesma declaração, falou da importância do isolamento social para conter a disseminação do vírus. Tedros Adhanom nesta terça-feira voltou ao assunto e disse que pessoas sem renda fixa "merecem políticas sociais que garantam sua dignidade e as permitam cumprir as medidas de saúde pública contra a Covid-19 recomendadas pelas autoridades de saúde nacionais e pela OMS".

Bolsonaro, após essa segunda declaração e antes do pronunciamento ir ao ar em cadeia de rádio e TV, disse: "Só porque eu elogiei ele voltou atrás, é isso?".

O que será do camelô, do ambulante, do vendedor de churrasquinho, da diarista, do ajudante de pedreiro, do caminhoneiro e dos outros autônomos com quem venho mantendo contato durante toda minha vida pública?

Por isso determinei ao nosso ministro da Saúde que não poupasse esforços, apoiando através do SUS todos os estados do Brasil aumentando a capacidade da rede de saúde e preparando-a para o combate à pandemia.

Assim, estão sendo adquiridos novos leitos já com respiradores, equipamentos de proteção individual, kits para testes e demais insumos necessários.

Bolsonaro tenta associar a resposta do Ministério da Saúde às suas ordens, em que pese ter passado as últimas semanas subestimando a dimensão da pandemia e contradizendo o ministro Luiz Henrique Mandetta.

Determinei ainda ao nosso ministro da Economia que adotasse todas as medidas possíveis para proteger sobretudo o emprego e a renda dos brasileiros. Fizemos isso através de ajuda financeira aos estados e municípios, linhas de crédito para empresas, auxílio mensal de R$ 600 aos trabalhadores informais e vulneráveis, entrada de mais 1 milhão e 200 mil famílias no programa Bolsa Família, adiamos também o pagamento de dívidas dos estados e municípios só para citar algumas das medidas adotadas.

Diferentemente do contestado pronunciamento da semana passada, o presidente tenta mostrar ações na área de proteção social, na qual o governo vem sendo criticado pela lenta resposta.

Além disso, no dia de hoje, em comum acordo com a indústria farmacêutica, decidimos adiar, por 60 dias, o reajuste de medicamentos no Brasil. Temos uma missão: salvar vidas, sem deixar para trás os empregos.

Por um lado, temos que ter cautela e precaução com todos, principalmente junto aos mais idosos e portadores de deficiências preexistentes. Por outro, temos que combater o desemprego, que cresce rapidamente, em especial entre os mais pobres.

Ao falar dos idosos e portadores de deficiências preexistentes, o presidente traz de volta sua tese do isolamento apenas dos grupos de risco, embora não fale diretamente disso. No pronunciamento da semana passada, ele disse que, como os mais velhos são as principais vítimas, não havia motivos para manter escolas fechadas.

Vamos cumprir essa missão ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas. O vírus é uma realidade, ainda não existe vacina contra ele ou remédio com eficiência cientificamente comprovada, apesar da hidroxicloriquina parecer bastante eficaz.

Bolsonaro volta a associar o medicamento à cura da doença, como tem feito nas últimas semanas. O Ministério da Saúde liberou, de forma experimental, o uso da hidroxicloroquina em pacientes com quadros graves, mas reforça que não há dados robustos sobre eficácia para a Covid-19.

O presidente também mencionava a substância no vídeo que foi apagado por Twitter, Facebook e Instagram por violar normas das redes sociais.

O coronavírus veio e um dia irá embora, infelizmente teremos perdas neste caminho. Eu mesmo já perdi entes queridos no passado e sei o quanto é doloroso. Todos nós temos que evitar ao máximo qualquer perda de vida humana.

Após falar no último domingo que "Todos nós vamos morrer um dia", o presidente busca agora mostrar mais empatia com as vítimas —já são 241 mortos no país devido à doença, segundo boletim desta quarta-feira (1º).

Como disse o direitor-geral da OMS, “todo indivíduo importa”. Ao mesmo tempo, devemos evitar a destruição de empregos, que já vem trazendo muito sofrimento para os trabalhadores brasileiros. Na última reunião do G20, nós, chefes de Estado e de governo, nos comprometemos a proteger vidas e a preservar empregos. Assim o farei.

Desde fevereiro determinei o emprego das Forças Armadas no combate ao coronavírus. O Ministério da Defesa realizou o resgate dos brasileiros na China. Agora as Forças Armadas atuam em apoio às áreas de saúde e segurança, em todo o Brasil. Foi ativado um Centro de Operações que coordena as ações e dez comandos conjuntos foram criados, cobrindo todo o território nacional.

Realizam ações que vão desde a montagem de postos de triagem de pacientes, apoio a campanhas informativas e campanhas de vacinação, logística e transporte de medicamentos. Os laboratórios químico-farmacêutico militares entraram com força total e em 12 dias serão produzidos 1 milhão de comprimidos de cloroquina, além de álcool gel.

O presidente cita como resposta à pandemia a produção de um medicamento sobre o qual o Ministério da Saúde diz não ter eficácia comprovada contra a Covid-19, usado de modo experimental.

Repito: o efeito colateral das medidas de combate ao coronavírus não pode ser pior do que a própria doença. A minha obrigação como presidente vai para além dos próximos meses. Preparar o Brasil para a sua retomada, reorganizar a nossa economia e mobilizar todos os nossos recursos e energia para tornar o Brasil ainda mais forte após a pandemia.

Aproveito a oportunidade para me solidarizar e agradecer o empenho e o sacrifício pessoal de todos os profissionais de saúde, da área de segurança, caminhoneiros e todos os trabalhadores de serviços considerados essenciais que estão mantendo o país funcionando, bem como os homens e as mulheres do campo que produzem nossos alimentos.

Bolsonaro cita categorias com as quais têm proximidade, caso dos caminhoneiros, agentes de segurança e produtores rurais.

Com este mesmo espírito agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto para a preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade.
Deus abençoe o nosso amado Brasil.

Após chamar os governadores de "exterminadores de empregos" e classificar as restrições à circulação de "política de terra arrasada", Bolsonaro faz um aceno de conciliação ao pregar um pacto.

Também pede união ao Congresso e ao Judiciário, atacados em manifestação da qual ele participou no último dia 15. Os chefes dos outros dois Poderes vêm dando declarações de apoio a medidas de isolamento social —o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foi diagnosticado com a Covid-19.

Colaborou Wálter Nunes, de São Paulo

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