Descrição de chapéu Lava Jato

Entenda o atrito entre força-tarefa da Lava Jato e PGR e suas motivações

Equipe foi coordenada por Deltan Dallagnol durante seis anos e tem trocado acusações com chefia do Ministério Público

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São Paulo

A equipe de procuradores da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba tem trocado acusações nas últimas semanas com o comando da Procuradoria-Geral da República, que chefia o Ministério Público Federal no país.

Em meio a esse embate, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, determinou que os procuradores da Lava Jato enviassem à PGR todos os dados de investigações já colhidos pela operação. A ordem foi revogada no último dia 3 por outro ministro, Edson Fachin.

Entenda as causas dessa discussão:

Procuradores da força-tarefa da Lava Jato reunidos, com Roberson Pozzobon e Deltan Dallagnol à frente
Procuradores da força-tarefa da Lava Jato reunidos, com Roberson Pozzobon e Deltan Dallagnol à frente - Reprodução Facebook Roberson Pozzobon

O que motivou o atrito entre a força-tarefa de Curitiba e o procurador-geral Augusto Aras? O estopim foi a visita a Curitiba nos dias 23 a 25 de junho da subprocuradora Lindôra Araújo, uma das auxiliares mais próximas de Aras e coordenadora do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR.

A força-tarefa no Paraná entendeu que Lindôra na ocasião realizou manobra ilegal para copiar bancos de dados sigilosos e decidiu fazer uma reclamação na corregedoria do Ministério Público Federal. Na sequência, integrantes do grupo de trabalho em Brasília pediram para sair dessa equipe por discordância com a subprocuradora.

Segundo a força-tarefa, não houve comunicação de qual seria a pauta da reunião. Os procuradores afirmaram que "não foi formalizado nenhum ofício solicitando informações ou diligências, ou informando procedimento correlato, ou mesmo o propósito e o objetivo do encontro".

Além disso, disse ainda a Lava Jato em Curitiba, não se soube se a ida da subprocuradora a Curitiba foi de natureza "administrativa, correicional ou finalística".

O que diz a PGR sobre o assunto? Nega que tenha ocorrido qualquer iniciativa ilegal. Em nota divulgada em 1º de julho, a Procuradoria-Geral listou decisões da Justiça de 2015 que mencionavam o compartilhamento de dados da operação com outras esferas do Ministério Público. Também disse que, em maio deste ano, Aras formalizou em ofício “o procedimento de compartilhamento de todos os dados com a PGR, por meio da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise”.

Qual foi a resposta da força-tarefa? Disse que as decisões da Justiça não autorizam o “acesso indiscriminado” às informações guardadas, que incluem documentos apreendidos, relatórios de inteligência e informações fiscais. Afirma que é preciso haver uma indicação de provas ou um objeto específico para que o pedido se concretize.

“Jamais qualquer órgão público buscou compartilhamento ou acesso indiscriminado, sem indicar o objeto ou a razão de fato”, diz nota da equipe divulgada na quarta. Também afirmou que o ofício de maio de Aras já era “objeto de tratativas”.

O que decidiu o Supremo? O presidente da corte, ministro Dias Toffoli, determinou no dia 9 de julho que a equipe da Lava Jato enviasse à PGR todos os dados de investigações já colhidos pela operação pelas forças-tarefas de Curitiba, do Rio e de São Paulo. Ao expedir a ordem, o ministro afirmou que a postura da Lava Jato viola o princípio da unidade do Ministério Público.

No mesmo pedido ao Supremo, a PGR havia afirmado que há "elementos de informação em trânsito" na Lava Jato relativos aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), “cujos nomes foram artificialmente reduzidos em tabelas" anexadas a uma das denúncias da operação no Paraná. Para Toffoli, é necessário impedir essa investigação “no seu nascedouro”.

Em 3 de agosto, outro ministro do Supremo, Edson Fachin, decidiu revogar a ordem do presidente da corte. Toffoli havia despachado a respeito do caso somente porque estava à frente do plantão no recesso do Judiciário, agora encerrado.

Fachin, que relata casos da Lava Jato na corte, considerou que o princípio da unidade do Ministério Público, alegado pela PGR e reforçado por Toffoli, não permite o intercâmbio de provas entre os membros da carreira. Essa decisão não é definitiva —pode ser revista por um conjunto de ministros.

A PGR afirma que houve medidas ilegais da força-tarefa? Em comunicado no dia 29 de junho, a Procuradoria-Geral disse que a mesma sindicância que tratará da visita da subprocuradora a Curitiba vai averiguar um outro ponto. “Também servirá para que seja esclarecida a existência de equipamentos utilizados para gravação de chamadas telefônicas recebidas por integrantes da equipe da força-tarefa, incluindo membros e servidores.”

Segundo a PGR, o objetivo é apurar “a regularidade de sua utilização, bem como os cuidados e cautela necessários para o manuseio desse tipo de equipamento pelos respectivos responsáveis”.

A equipe de Curitiba diz que todas as interceptações telefônicas realizadas na operação foram autorizadas por decisão judicial e “efetivadas exclusivamente pela Polícia Federal”.

Em julho, Aras elevou o tom das críticas e disse, em evento virtual com advogados críticos à operação, que a investigação não pode manter uma "caixa de segredos" e que é preciso que o "lavajatismo não perdure".

Quais os outros fatores de atrito entre os procuradores no Paraná e a PGR? Além do compartilhamento de dados, outro ponto de divergência com Curitiba é a proposta de criação de um órgão na estrutura da Procuradoria-Geral batizada de Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado), ao qual as forças-tarefas de casos de corrupção trabalhariam vinculadas.

O objetivo é promover racionalização dos trabalhos, “a economia de recursos, a acumulação contínua e a preservação da experiência e do conhecimento adquiridos, a unificação de rotinas, base de dados, sistemas”.

Quais são as críticas a esse novo modelo? Procuradores falam em um risco de excessiva centralização de poder. Um outro ponto seria também a concentração de informações de inteligência em um órgão. O coordenador dessa unidade seria escolhido por Augusto Aras, a partir de uma lista tríplice elaborada pelo conselho do Ministério Público.

O pano de fundo da discussão é a desconfiança com que em geral procuradores veem Aras. Ele assumiu o comando da Procuradoria por indicação direta do presidente Jair Bolsonaro, sem ter disputado eleição interna da categoria, como seus antecessores.

Como funciona uma força-tarefa? A decisão de formação de uma força-tarefa parte da direção do Ministério Público ao entender que determinado caso requer um esforço concentrado de apuração. Foi o que aconteceu com a Lava Jato ainda na época de suas primeiras fases, em 2014, quando o então procurador-geral Rodrigo Janot autorizou a formação da equipe.

Procuradores foram “emprestados” temporariamente de outras lotações para atuar especificamente nessa frente de investigação, que tem como base Curitiba e cujo coordenador por seis anos foi Deltan Dallagnol. Ao longo dos anos, parte dos procuradores encerrou seus trabalhos no grupo e voltou para seus cargos originais, e outros assumiram os postos.

​Em 1º de setembro, a Lava Jato anunciou que Deltan decidiu deixar a força-tarefa. O Ministério Público Federal afirma que o desligamento se deu por questões de saúde familiar.

Em seu lugar, irá assumir o procurador Alessandro José Fernandes de Oliveira, que atua no grupo da Lava Jato mantido em Brasília.

A força-tarefa é um órgão permanente? Não. Desde 2014, a autorização de trabalho da equipe no Paraná foi sucessivamente renovada pela PGR, com supervisão do Conselho Superior do MPF. Neste mês de setembro, essa ordem precisa ser novamente reeditada para que o trabalho continue nesse formato.

Existe uma relação de subordinação entre a força-tarefa e a PGR? A Constituição garante aos membros do Ministério Público independência funcional, mas todos estão sujeitos a trabalhos de supervisão, acompanhamento e coordenação. O trabalho no MPF é organizado conforme as atribuições de cada integrante da instituição.

Um procurador da República lotado em Curitiba, por exemplo, tem sob sua alçada casos de primeira instância no estado. Em outro exemplo, um subprocurador da PGR em Brasília tem responsabilidade sobre procedimentos envolvendo instâncias superiores.

Quais são as outras forças-tarefas em atividade? O volume de trabalho da Lava Jato a partir de 2015 e a determinação da Justiça para que os casos não ficassem exclusivamente no Paraná levou à formação de outros grupos desse perfil.

O mais ativo é a força-tarefa do MPF no Rio, que tem como focos propina na estatal Eletronuclear e desvios relacionados ao ex-governador Sérgio Cabral. São Paulo também possui uma força-tarefa para desdobramentos da Lava Jato, ainda com resultados tímidos. Outro grupo é o da Operação Greenfield, no DF, que apura fundos de pensão. Essas quatro equipes mantêm interlocução.

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