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Ida de Boulos ao 2º turno anima esquerda em SP e esquenta polarização com Covas

Candidato do PSOL deve ter apoio do PT; Lula responsabilizou Tatto pela decisão de manter campanha

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São Paulo

A chegada de Guilherme Boulos (PSOL) ao segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo significa um sopro de ânimo para a esquerda e um desafio para o psolista, que polarizará com Bruno Covas (PSDB) na briga pela cadeira de prefeito.

Na noite deste domingo (15), Boulos já rebateu a associação de seu nome a radicalismo feita por Covas. O candidato fez seu pronunciamento em sua casa, no Campo Limpo (zona sul).

“Eu vi a declaração do Bruno de que a disputa seria da moderação contra o radicalismo. A disputa não é essa. A disputa é da mesmice contra a esperança”, disse.

O candidato do PSOL afirmou não acreditar na possibilidade de sucesso de uma campanha de desconstrução da sua imagem. “O [Celso] Russomanno inventou todo tipo de fake news nas duas últimas semanas. Olha como ele terminou o primeiro turno. Derreteu”, disse Boulos, para quem a eleição mostrou que "a mentira não pega mais".

Em relação às estratégias no segundo turno, ele afirmou que pretende telefonar para candidatos "do campo progressista". "O que precisamos construir em São Paulo é uma frente contra a desigualdade, pela justiça social e pela democracia”, declarou.

Mais tarde, na noite de domingo, Jilmar Tatto (PT) informou que telefonou a Boulos e declarou seu apoio a ele. O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) também se manifestou a favor do candidato do PSOL.

Esta é a segunda campanha eleitoral do líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que concorreu à Presidência da República em 2018 e acabou em 10º lugar, com 617 mil votos (0,58%). Boulos nunca exerceu cargo público.

Para compensar a inexperiência, construiu uma aliança com a ex-prefeita e deputada federal Luiza Erundina (PSOL), que, na condição de vice da chapa, assumiu protagonismo na campanha.

Com a ascensão ao segundo turno, a dupla ocupa um espaço tradicionalmente pertencente ao PT, partido que, desde 1988, venceu as eleições, foi para o segundo turno ou ao menos terminou em segundo lugar na corrida para prefeito de São Paulo.

A derrocada veio em 2016, quando Haddad, então candidato à reeleição, saiu com 16,7% dos votos válidos, ante 53,29% de João Doria (PSDB), que liquidou a disputa no primeiro turno, deixando o petista em segundo lugar.

Com Tatto, seu candidato neste ano, a legenda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva colhe o pior resultado na capital em décadas. Na ausência do PT, será o PSOL a legenda a polarizar com os tucanos, reeditando a tradicional briga entre direita e esquerda na capital paulista.

Ao votar, neste domingo, Tatto indicou a disposição de se aliar ao candidato do PSOL caso ele fosse para o segundo turno. Lula, também em seu local de votação, responsabilizou diretamente Tatto pela decisão de manter sua candidatura após os apelos para desistir ou declarar apoio a Boulos.

O ex-presidente disse que a posição de Tatto, informada à presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foi "uma atitude soberana" do candidato. "Ninguém poderia dizer o que ele deveria fazer. Era uma coisa dele", afirmou Lula.

Petistas chegaram a demonstrar irritação com os pedidos e a movimentação de Boulos pelo voto útil da esquerda ainda no primeiro turno.

Em uma reunião na última terça-feira (10), Gleisi pressionou Tatto a desistir, mas ele não cedeu. A campanha do petista agora cobra explicações a respeito do vazamento desse encontro, que criou um fato político negativo na reta final e foi visto como um movimento da direção do PT pelo voto útil de esquerda.

“Gleisi vai ter que dar uma explicação. Passamos dois dias desmentindo a possibilidade de desistência”, afirma o deputado estadual José Américo (PT), coordenador de comunicação da campanha de Tatto. Para ele, o PT errou também em insistir em candidatos próprios e não buscar alianças na pré-campanha, inclusive em São Paulo.

Enquanto parte do PT viu na fala de Lula apenas uma defesa de Gleisi, outros petistas entenderam que o ex-presidente se eximiu da responsabilidade e jogou em Tatto o peso da falta de acerto com o PSOL e de levar adiante uma candidatura derrotada.

Também candidato em São Paulo, Orlando Silva (PC do B) criticou Lula. “Não se atira num inimigo caído, nem se abandona companheiro ferido. Para se afastar da derrota, se oferece a cabeça do companheiro?”, tuitou.

O post foi curtido por Tatto, que depois desfez a ação. Segundo a campanha do petista, a curtida foi feita por um assessor sem aval do candidato.

Lula evitou criticar membros e apoiadores do PT que aderiram à campanha do PSOL. Ele frisou que os movimentos se deram sem consulta prévia à legenda, mas falou não ver problemas.

Boulos, que passou o primeiro turno se queixando do que vê como condições injustas de disputa, tem dito que a paridade do segundo turno será sua principal arma para fazer frente à força do PSDB.​

Covas teve a maior fatia do horário eleitoral (3min29s) e, como mostrou a Folha, recebeu doações gordas de empresários ligados ao setor imobiliário.

“A paridade de armas, pelo menos do tempo de TV, vai ser fundamental para que ele se torne mais conhecido”, diz o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros.

Segundo ele, a campanha no segundo turno vai marcar posição contra os governos do PSDB em São Paulo e do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no plano federal, reforçando o que Boulos priorizou até aqui.

“A nossa linha política é uma linha que traz todo o desconforto do povo brasileiro, que não concorda com a forma como a pandemia foi administrada pelo Bolsonaro, que não concorda com a agenda da retirada de direitos defendida pelos tucanos na Câmara Federal, com o apoio de João Doria e Bruno Covas.”

Membros da campanha do PSOL dizem nos bastidores que o enfrentamento a Covas se dará em duas frentes: no aspecto da gestão, com críticas ao que consideram ineficiência do tucano e descuido com a periferia, e no tema dos alinhamentos políticos.

Boulos deve constranger o tucano com questionamentos sobre a ausência de Doria na campanha e sobre as denúncias que pesam sobre o vice do prefeito, o hoje vereador Ricardo Nunes (MDB).

Os aliados do psolista dizem que o resultado confirma a rejeição de parcela importante do eleitorado aos nomes do PSDB e que a principal tarefa agora será atrair os insatisfeitos com Covas e Doria, dialogando com fatias para além da esquerda.

Embora estivessem confiantes, auxiliares comemoraram a vantagem de Boulos, admitiram que os números surpreenderam e afirmaram que o desempenho indica a viabilidade de uma vitória no segundo turno.

A equipe diz que usará a criatividade, o apoio de voluntários e o engajamento orgânico de militantes nas redes para estruturar a campanha desta segunda etapa.

Entre os desafios está a produção de programas de TV e rádio muito mais longos. Mais profissionais serão contratados para a produção dos anúncios, que saltarão de 17 segundos por bloco na TV para 5 minutos.

Os possíveis apoios de adversários do primeiro turno ainda eram tratados com reserva pelos integrantes da campanha neste domingo. Além do PT de Tatto, Há a expectativa de adesão do PSB de Márcio França, mas os diálogos com as siglas só devem começar nesta segunda-feira (16).

A campanha de Boulos cita como ativos do candidato sua taxa de rejeição considerada baixa. Segundo a pesquisa Datafolha divulgada no sábado (14), 24% dos entrevistados responderam que não votariam nele de jeito nenhum. Nesse quesito, Covas registrou 25%.

A simulação de segundo turno feita pelo instituto, contudo, passa longe de ser alvissareira para os estrategistas do PSOL: Covas bateria Boulos por 57% a 30%, segundo o levantamento deste sábado.

Boulos foi alvo de críticas pela ligação com o movimento dos sem-teto, o que lhe rendeu a alcunha de invasor, e por ser réu em processo de vandalismo. Também foi questionado sobre a falta de experiência em gestão pública e por apresentar um plano de governo que carece de fontes de arrecadação para se sustentar.

A classificação, contudo, é um feito histórico para o PSOL, fundado em 2004 por dissidentes expulsos do PT. Com uma presença crescente em Legislativos pelo país, a sigla carece de representantes no Poder Executivo. Em caso de triunfo em São Paulo, a agremiação terá uma vitrine ímpar.

Líder do maior movimento de moradia do país, Boulos, 38, modulou o tom nesta campanha para combater a fama de radical e construiu sua campanha majoritariamente na internet, conseguindo uma popularidade digital bastante superior à dos adversários.

As pesquisas mostraram que os maiores percentuais de adesão a Boulos se concentravam entre os mais jovens e os mais escolarizados. Em busca dos votos da periferia, ele intensificou as agendas de campanha nas bordas da cidade e reiterou promessas que agradam às faixas de menor renda.

Formado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP, Boulos milita desde o começo dos anos 2000 no MTST, grupo que luta por moradias em áreas urbanas. Desde as manifestações de junho de 2013, ganhou voz na esquerda e liderou protestos.

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