Em tribunal do impeachment, Witzel chora e diz que não deixou magistratura para ser ladrão

Também nesta quarta (7), ex-secretário de Saúde disse que avisou governador sobre 'batom na cueca' em ato a favor de empresário

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Rio de Janeiro

O governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), chorou nesta quarta-feira (7) durante interrogatório no tribunal que julga seu impeachment e voltou a dizer que é vítima de perseguição.

Réu por corrupção e lavagem de dinheiro, ele é acusado de ter chefiado esquema de desvio de recursos envolvendo contratos da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro. Witzel está afastado do cargo desde o fim de agosto, por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O ex-juiz novamente negou qualquer ato ilícito e argumentou aos desembargadores e deputados que não poderia acompanhar de perto todos os contratos firmados pela administração estadual.

"Não deixei a magistratura para ser ladrão. O que estão fazendo com a minha familia e com a minha esposa é muito cruel. Decidi deixar a magistratura por ideal, para que eu pudesse ajudar o povo do Rio a ter uma mudança", disse, chorando.

O governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), foi interrogado, nesta quarta-feira (07), pelo Tribunal Especial Misto (TEM), em processo que julga seu impeachment. - Brunno Dantas/Divulgação/TJRJ

Witzel afirmou que é perseguido porque deu liberdade para a Polícia Civil investigar o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e porque foi o primeiro governador a adotar medidas restritivas durante a pandemia da Covid-19.

"Crime de responsabilidade eu teria praticado se não tivesse tomado providências para combater a pandemia", disse.

Em sua fala, o governador citou Deus e a religião diversas vezes, e afirmou que, independente do resultado no tribunal, sairá de cabeça erguida. Também disse que, ao longo do processo, teve dificuldade para se defender por não identificar nos autos qual era exatamente acusação contra ele.

Witzel afirmou ainda que o ex-secretário de Saúde Edmar Santos, que depôs mais cedo nesta quarta e fechou acordo de colaboração premiada implicando o governador, falou mentiras.

Em mais de uma ocasião, o ex-juiz disse que o patrão de Santos era o empresário e réu confesso Edson Torres, apontado como operador do Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC, no esquema de corrupção.

Uma dos fundamentos da acusação por crime de responsabilidade contra Witzel é a requalificação da OS (Organização Social) Unir, assinada por ele. Até aquela decisão, a empresa estava desqualificada por uma série de punições e irregularidades, e não poderia mais firmar contratos com a administração estadual.

O Ministério Público Federal sustenta que o empresário Mário Peixoto, acusado de ter pago propina em troca de favorecimento nos contratos com o estado, é sócio oculto da Unir.

A requalificação, segundo a acusação, teve como contrapartida o pagamento de R$ 274 mil feito à firma da primeira-dama Helena Witzel por três empresas em nome de supostos operadores financeiros do empresário.

Em seu depoimento, Witzel disse que a requalificação foi uma decisão técnica "que desagradou o patrão do Edmar [Edson Torres]". Ele negou ter qualquer relação com Peixoto e disse que isso é uma "lenda urbana".

"Nas minhas contas correntes e da minha mulher não entrou nenhum centavo que não fosse fruto do nosso trabalho, da nossa dignidade", disse.

Mais cedo no tribunal, Edmar Santos afirmou que alertou o governador sobre a requalificação da Unir, dizendo que o ato seria "batom na cueca".

O ex-secretário também afirmou que compareceu a um almoço com Peixoto e o ex-secretário Lucas Tristão, a pedido de Witzel. O governador nega que tenha solicitado o encontro.

Na ocasião, segundo Santos, o empresário passou quase todo o tempo argumentando contra a desqualificação da Unir, o que deixou claro que ele estava no comando da empresa. Ele também disse que Peixoto queria introduzir outras firmas para fazer negócios com a Saúde.

Em 2018, ano de sua eleição, Witzel recebeu R$ 284 mil do escritório de advocacia de Lucas Tristão, seu então braço-direito e ex-aluno, que tornou-se secretário em seu governo. No mesmo período, o escritório de Tristão recebeu R$ 225 mil de empresas de Mário Peixoto.

O dinheiro repassado a Witzel pelo escritório do ex-aluno foi uma das justificativas utilizadas pelo candidato para explicar como doou R$ 215 mil de recursos próprios para sua campanha.

Nesta quarta-feira, Santos foi questionado pelo próprio governador afastado, que destituiu do caso advogados de renome.

Witzel tentou utilizar as mudanças na defesa para pedir a suspensão dos interrogatórios por mais 20 dias, pedido que foi negado pelo tribunal. O governador e o ex-secretário tiveram algumas altercações durante a sessão, mas em geral o clima se manteve ameno.

​Santos também afirmou que o grupo do Pastor Everaldo e do empresário Edson Torres foi responsável pela indicação de Gabriell Neves para a subsecretaria-executiva, que cuida de processos licitatórios e contratos. O objetivo, segundo ele, seria facilitar uma série de atos de improbidade.

O ex-secretário disse ainda que Everaldo contou a ele que pagava as despesas da família do governador. Santos voltou a falar na existência de uma "caixinha de propina": 30% iria para o secretário da pasta, 20% para Witzel, 20% para Everaldo e outros 30% divididos entre os demais envolvidos.

Edmar afirmou que não sabe quem determinou a contratação do Iabas para a gestão dos hospitais de campanha, e que Witzel nunca fez pressão neste sentido. Supostas fraudes nesses contratos são a segunda perna da denúncia por crime de responsabilidade contra o governador.

O depoimento do ex-secretário durou cerca de quatro horas e acabou no final da tarde. Logo depois, teve início o interrogatório de Witzel.

O ministro do STJ Benedito Gonçalves acolheu parcialmente pedido da defesa de Santos e proibiu gravações e transmissões pela mídia durante a sessão, sob o argumento de proteger a imagem do delator.​ Foi montada uma estrutura para esconder da imprensa o ex-secretário —ele entrou no tribunal envolvido por panos.

Com o término das oitivas de Edmar Santos e Witzel, ficará encerrada a fase de instrução. Então será aberto o prazo de dez dias para a acusação apresentar alegações finais e, em seguida, será oferecido igual prazo para a defesa.

Depois das alegações finais, será decidido o dia do julgamento definitivo. Witzel será condenado pelo crime de responsabilidade se a denúncia for julgada procedente por dois terços dos membros do tribunal (o que representa sete dos dez votos).

Como os deputados da Assembleia do Rio se posicionaram por unanimidade a favor do afastamento do governador, em votação na Casa em setembro do ano passado, o entendimento é o de que o futuro de Witzel está nas mãos dos desembargadores do tribunal misto.

Sorteados no fim de setembro, os cinco magistrados que integram o tribunal acumulam anos de experiência na área cível e são vistos como desembargadores de perfil técnico.​

São eles: Teresa de Andrade Castro Neves, José Carlos Maldonado de Carvalho, Maria da Glória Bandeira de Mello, Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva e Inês da Trindade Chaves de Melo.

Já os deputados Alexandre Freitas (Novo), Waldeck Carneiro (PT), Chico Machado (PSD), Dani Monteiro (PSOL) e Carlos Macedo (Republicanos) foram eleitos também no fim de setembro pela Assembleia para compor o grupo.​​

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