Descrição de chapéu congresso nacional

Bolsonaro é pior do que a gente imaginava e sua ineficiência pode reforçar volta da esquerda, diz Amoêdo

Fundador do Novo desconversa sobre candidatura em 2022, ataca Lula e defende união da centro-direita para evitar fracasso

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São Paulo

Nome de direita que defende o impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido), o ex-presidenciável João Amoêdo, um dos fundadores do partido Novo, diz que o fracasso do atual presidente abre caminho para a volta da esquerda ao poder, sobretudo com a reabilitação do ex-presidente Lula (PT).

"Pode reforçar o retorno da esquerda que ele [Bolsonaro] tanto dizia combater, por total ineficiência e por uma visão ideológica extremada e distorcida", afirma à Folha o ex-banqueiro, que votou no atual mandatário no segundo turno de 2018.

"É pior do que a gente poderia imaginar", diz, frustrado com a paralisação da agenda liberal do ministro Paulo Guedes, que está "fazendo figuração", e com o "desempenho desastroso" do governo na pandemia.

Cotado como candidato ao Planalto em 2022, Amoêdo enfrenta resistências em seu partido e defende um projeto eleitoral que enfrente Bolsonaro e Lula (ambos populistas, na visão dele) e promova "um resgate do Brasil".

Ainda vê o impeachment como uma saída necessária ou acha que situação deveria ser decidida nas urnas? Do ponto de vista jurídico, há o fundamento, uma série de crimes de responsabilidade. Do ponto de vista político, ainda não existe clima, mas acredito que continuará crescendo o apoio à ideia.

A estrutura que se montou no Congresso, com a eleição de uma liderança apoiada pelo presidente [Arthur Lira (PP-AL)], torna o processo mais difícil. Pretendo continuar insistindo nisso, mesmo que ele não venha a ser pautado, mas para que o cidadão se lembre disso na hora do voto em 2022.

É possível enfrentar a pandemia com Bolsonaro no poder? É muito difícil. Ele faz o contrário do que recomendam as boas práticas, faz ataques desnecessários aos gestores públicos e incentiva a população a descumprir medidas. E os resultados que estamos colhendo são reflexo da liderança dele, uma atuação que compromete vidas de brasileiros.

A competência, o conhecimento, o equilíbrio, nada disso são aptidões que valem no governo Bolsonaro. O que vale é a subserviência e a bajulação a um teórico mito. Basta ver o caso da médica Ludhmila Hajjar [que foi cotada para o Ministério da Saúde e recusou]. Isso é muito ruim, porque o governo deixa de trazer uma pessoa que seria mais eficiente do que o ministro [Eduardo] Pazuello.

Considerando a guerra cultural defendida pelos bolsonaristas, acredita que o governo trouxe alguma contribuição para apontar outros caminhos políticos e econômicos? Não. Bolsonaro atacou o Congresso, o Supremo, a imprensa, os partidos políticos. Sem falar nos ataques de seus apoiadores às pessoas que tenham qualquer opinião diferente, o que culmina numa restrição à liberdade de expressão.

Nas políticas, não tivemos evolução na área econômica, na área educacional. Por último, ele teve um desempenho sofrível na maior crise de saúde que já vivemos. Essa história de que ele estava eliminando a esquerda, isso ficou única e exclusivamente no discurso. A atuação dele está tendo o efeito contrário.

A entrada do ex-presidente Lula no cenário eleitoral é um elemento a mais? Sim. Os escândalos das 'rachadinhas', de cheque na conta da esposa [Michelle Bolsonaro], uma série de fatos que não são explicados, isso tudo criou para a esquerda um discurso muito fácil. É tanta coisa errada que dá argumentos para quem estava na ponta oposta.

A minha avaliação é que ele terá feito um mandato do qual a sociedade sairá mais fraca, no qual ele não terá entregue praticamente nada do ponto de vista de gestão e que pode reforçar o retorno da esquerda que ele tanto dizia combater, por total ineficiência e por uma visão ideológica extremada e distorcida.

O sr. afirmou à Folha em 2019 que não alimentava grandes expectativas em relação ao governo. Diria que é ainda pior do que imaginou? Sim, muito pior. Eu não imaginava nada muito positivo, especialmente pelo histórico do Bolsonaro. Nunca teve uma visão liberal nem tinha experiência em gestão de pessoas. Mas, no primeiro momento, ele tinha alguns quadros, como o Paulo Guedes, o [Sergio] Moro, que davam certa credibilidade ao governo. Isso foi desmoronando ao longo do tempo. E ele ainda teve o ônus de assumir a crise na saúde, o que explicitou a incapacidade dele.

Vê espaço ainda para algum avanço na agenda liberal neste governo? Acho muito pouco provável. Infelizmente, o ministro da Economia [Guedes] acaba hoje fazendo uma figuração. Não tivemos nenhuma privatização nem reforma administrativa nem tributária.

O sr. é pré-candidato a presidente em 2022? Ainda não tenho pensado sobre o assunto, não é uma prioridade. Entendo que precisamos ter uma alternativa viável, que não nos coloque de novo nessa polarização entre PT e Bolsonaro. O populismo está muito presente em ambos. O PT nunca teve coragem de assumir os seus erros. Isso é preocupante. Quem não assume os erros possivelmente irá repeti-los.

Quero ajudar a tentar viabilizar uma candidatura com competitividade eleitoral, mas também que possa fazer um resgate do Brasil e coloque o país de volta em uma rota de crescimento, para combater a pobreza.

O sr. se vê desempenhando esse papel dentro do Novo? Como o clima conflagrado no partido, com as suas divergências com a bancada do partido na Câmara dos Deputados e com o governador de Minas, Romeu Zema, interfere? Acho que o Novo pode, sim, participar desse processo. No meu entendimento, o Novo tem que se fortalecer novamente como instituição, para que não fique ao sabor de interesses específicos de determinados momentos, mas, sim, dos princípios e valores do partido.

O partido se declarou oficialmente na oposição a Bolsonaro, mas parte dos membros discorda. Era o certo a ser feito. É claro, as pessoas têm liberdade para seguir junto com o partido ou ir para outras alternativas. Essa sinalização é importante para o partido se colocar como uma plataforma que pode ser importante nesse processo de se viabilizar uma candidatura que possa ser competitiva.

Como reage às críticas de deputados que discordam da sua oposição ao presidente? Minha pergunta é: se, depois de tudo o que o Bolsonaro fez nesses dois anos, isso não é suficiente para o Novo se colocar como oposição ao governo, quando é que nós seríamos oposição?

A decisão foi tomada internamente de forma democrática? Isso foi decidido dentro do que está previsto no estatuto, pelos membros do diretório nacional. Os mandatários e parlamentares, porém, podem manter uma postura de independência em relação às votações, têm liberdade.

Em 2022, o Novo gostaria de ter uma candidatura ou estar junto em um projeto de oposição a isso [atual governo].

Como a centro-direita se organizará para se colocar, na prática, como terceira via? Primeiro, deveria ter uma aglutinação de ideias, pelo menos de princípios e propostas básicas para o Brasil, na área da educação, do ambiente, de reformas que tragam de volta o crescimento econômico. Em segundo lugar, firmar compromissos comuns em relação às instituições e à transparência. E só depois pensar em nomes.

Como avançar nessa frente, com todos os obstáculos que se impõem? É difícil porque normalmente não há a propensão de abrir mão de candidatura ou apostar em um projeto único. Acho que isso precisa existir ainda no primeiro turno. As pessoas que não querem nem Lula nem Bolsonaro vão pressionar os candidatos a se aglutinarem, sob pena de não terem nenhum sucesso nas urnas.

João Doria [PSDB], que apregoa fazer um governo liberal em São Paulo, como o nome que pode agregar esse campo? Difícil saber, pela viabilidade eleitoral. Embora ele tenha avançado na vacina e seja presente em críticas a Bolsonaro, a avaliação em São Paulo e fora mostra um índice de rejeição grande.

Defende que o Novo faça coligação em 2022, algo que a sigla rejeita? Em tese, o estatuto permite coligações. Se houver um cenário de pessoas que tenham uma boa convergência nos aspectos que importam para o Brasil, eu não veria, dada a situação que a gente tem no Brasil, com maus olhos. Tenho muito receio de, com Bolsonaro ou Lula, a gente ter mais uma década perdida aí pela frente.

Uma pré-candidatura sua em 2022 enfrenta resistência no Novo e outros nomes têm sido ventilados. Considera deixar o partido? Essa discussão de outros nomes é sempre válida e saudável, mas não penso em hipótese nenhuma em deixar o Novo. Pretendo continuar no partido, enquanto ele se mantiver fiel aos princípios e valores e aos propósitos para os quais foi concebido.

O sr., que já foi chamado de comunista por apoiadores do presidente, tem dito que ser contra ele não significa ser de esquerda. De onde parte esse raciocínio de dualidade, na sua visão? É uma narrativa criada pelos bolsonaristas para se pouparem de críticas, de opositores. A estratégia é dizer que só existem dois polos, "ou você está comigo ou está com a esquerda".

A gente precisa trabalhar para sair disso. Lula e Bolsonaro têm muitas características semelhantes: se colocam como salvadores da pátria, fazem ataques a instituições, não reconhecem erros, sempre culpam os outros, têm discurso populista, estão sempre pensando em eleições.

Há um debate sobre a chamada falsa simetria. É capaz de apontar algo positivo dos governos do PT? Olha, é difícil. Muita gente fala que o PT, durante algum tempo, teve responsabilidade fiscal e promoveu crescimento. Mas, ao mesmo tempo que isso acontecia em uma sala, estava tendo o mensalão e o petrolão na outra. É difícil relativizar e separar essas ações.

E em relação ao respeito às instituições e à democracia? Aparentemente, em alguns momentos, isso parece que aconteceu. Mas o que eles estavam fazendo também era aparelhando instituições.

A gestão Zema em Minas foi tida lá atrás como uma vitrine para o Novo. Qual é a situação hoje? Tem sido muito satisfatória. Ele conseguiu fazer uma redução dos custos administrativos, colocou os salários em dia, foi capaz de atrair investimentos para o estado.

O escândalo do secretário de Saúde do governo mineiro, que furou a fila de vacinação contra Covid-19, arranha a imagem do partido? Não me parece. O que o governador fez foi o correto: demitiu o secretário e está fazendo um processo de averiguação. Não há um comprometimento de que não haja erros na gestão do Novo, porque eles vão acontecer. O que a gente quer é reduzi-los e que eles não sejam varridos para debaixo do tapete, que é o que normalmente se vê na política brasileira.

O sr. diz que Zema não adotou uma postura de conflito ou crítica a Bolsonaro porque, sendo governador, precisa ter boa relação com a Presidência. É um posicionamento aceitável? Sim, ele está cuidando de arrumar a casa dele, que recebeu muito bagunçada da gestão anterior [de Fernando Pimentel, do PT].

Qual foi a sua participação em medidas como as expulsões do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do então candidato a prefeito de São Paulo pelo Novo em 2020, Filipe Sabará? Não me envolvi diretamente. O que eu fiz, no caso do Sabará, foi ir ao Twitter criticar a fala dele de que o melhor prefeito que São Paulo havia tido era o Paulo Maluf. A gente não fez o Novo para achar que o Maluf é o nosso modelo de gestor público.

Qual é o seu poder de influência no partido? Tenta-se criar uma narrativa, mas gosto sempre de contrapor isso com os fatos. Eu comecei a defender o impeachment do presidente Bolsonaro em abril do ano passado. O Novo só se colocou como oposição há uma semana. Se eu realmente mandasse no partido, teriam se passado 11 meses até o partido seguir uma orientação minha?

É óbvio que, por ter sido fundador e candidato, a minha opinião reverbera publicamente. Prefiro que o partido tome decisões das quais eu eventualmente discorde a interferir nas decisões que o partido toma. Alguns, para criar polêmica, preferem entrar nessa linha de que "o João manda no partido".

Raio X

João Filgueira Barreto Amoêdo, 58

  • Candidato a presidente da República pelo Novo em 2018, em sua primeira eleição, teve 2,6 milhões de votos (2,5% do total) e ficou em quinto lugar
  • Ex-banqueiro, ajudou a fundar o partido em 2010 e foi membro do diretório nacional até 2020, quando passou à condição de filiado
  • É cotado como presidenciável em 2022
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