Decisão de não punir Pazuello mancha imagem do Exército e é sinalização ruim, avaliam parlamentares

Exército afirmou que 'não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar' do general que participou de ato com Bolsonaro

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Brasília

A decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, por ter participado de um ato com o presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro foi avaliada por parlamentares como uma mancha à imagem da instituição e também como uma sinalização ruim para a sociedade.

O anúncio foi feito nesta quinta-feira (3) pelo comando do Exército. Em nota, o centro de comunicação social da instituição informou que "o comandante do Exército analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial-general".

"Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello. Em consequência, arquivou-se o procedimento administrativo que havia sido instaurado", diz o comunicado.

Na avaliação do deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Câmara, “estão destruindo a imagem do Exército”. “A cúpula do Exército demonstrou uma fragilidade grande na posição de representante do Estado brasileiro”, disse.

Em uma rede social, Maia defendeu que se discuta a PEC (proposta de emenda à Constituição) da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) que veda aos militares da ativa a ocupação de cargo de natureza civil na administração pública na União, estados e municípios.

O texto indica que, para exercer cargos de natureza civil, o militar com menos de dez anos de serviço deverá se afastar da atividade. Os que tiverem mais que dez anos, deverão passar para a reserva.

A deputada Perpétua afirmou que vai intensificar os esforços junto a parlamentares para conseguir apoio para a PEC.

“Eu penso que é muito ruim que o Exército esteja passando para a sociedade uma opinião de que não há separação entre Forças Armadas e governo. É ruim essa sinalização”, disse a parlamentar. “Um dos generais mais respeitados até hoje, o [Eduardo] Villas Bôas, dizia que quando a política entra por uma porta dos quartéis, a disciplina e hierarquia saem pelas outras.”

Pesquisa Datafolha realizada em maio mostrou que a maior parte da população rejeita a nomeação de militares para cargos no governo federal. Segundo o levantamento do instituto, 54% dos entrevistados são contrários à presença dos fardados nesses postos, ante 41% que são favoráveis.

Promessa de campanha de Bolsonaro, a indicação de militares para ministérios e outros cargos de relevância atingiu na atual gestão níveis inéditos desde o fim do regime militar, em 1985.

Vice-presidente da Câmara, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) criticou o anúncio. “O Exército não decidiu arquivar a denúncia contra Pazuello. O Exército decidiu que agora militar pode participar de manifestações políticas como bem entender. Isso não será bom para uma instituição que tem o respeito do povo brasileiro”, afirmou.

Rodrigo de Castro, Líder do PSDB na Câmara dos Deputados, afirmou que aprendeu na vida familiar "duas lições que julgo fundamentais também na vida pública: regras são para todos e o exemplo vem de cima".

Segundo o parlamentar, "ao arquivar o processo disciplinar aberto contra o ex-ministro Pazuello, o Exército abre uma exceção inexplicável e põe em risco a hierarquia, base de sustentação da própria instituição".

O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) também lamentou a decisão do Exército. "Permitir que general participe de ato político é coisa de chavista [em referência ao ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez]", disse.

"O Exército brasileiro submete-se a uma das maiores humilhações da história desta honrada instituição. O Comandante do Exército tem o dever de responder por essa omissão", acrescentou.

Kataguiri é autor de requerimentos de convocação do ministro Walter Braga Netto (Defesa) e do comandante do Exército, general Paulo Sérgio, para prestar esclarecimentos na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle sobre a participação de Pazuello nos atos ao lado de Bolsonaro.

Segundo o deputado, o presidente do colegiado, deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), afirmou que pautaria o requerimento na próxima semana.

A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) considerou grave que a "cúpula do Exército ignore seus próprios regulamentos".

"Ao decidir não punir Pazuello, abre margem para fortalecer a incidência da extrema direita dentro das Forças Armadas. Pazuello, responsável por uma gestão criminosa na pandemia, ao invés de ser responsabilizado, ganha cargo no Executivo para garantir seu foro privilegiado e anuência por estar no palanque da extrema direita​."

Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), a decisão foi um atentado à democracia. “Comando do Exército se curva ao fascista Bolsonaro e não vai punir Pazuello, mesmo ele desrespeitando o regulamento do Exército”, escreveu em uma rede social.

“Está instalada a anarquia militar e poder ao guarda da esquina. Impeachment já e povo na rua contra golpistas. Vergonha srs. generais!”

No Twitter, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) disse que "a subordinação do Exército ao presidente e não ao Estado brasileiro assim como a bolsonarização das polícias são um grave passo na escalada autoritária do governo Bolsonaro. Estamos diante de uma ameaça perigosa à já fŕagil estabilidade institucional e à democracia".

O líder da oposição no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), foi outro parlamentar a criticar a decisão.

"Liberou geral! Com esta lacônica justificativa, fica patente que acabou a proibição a militares da ativa de participar de manifestações políticas. Quantos vão afrontar a regra com base na 'jurisprudência' aberta por conta de Pazuello?", disse o senador em sua conta no Twitter.

O deputado federal (PT-SP), Alexandre Padilha, afirmou que ''o Cara de PAUzuello foi ser Ministro da Saude,mesmo na ativa, o Exército deu aval. Fez uma gestão trágica, deu aval.Mentiu na CPI, deu aval. Subiu no carro de som sem máscara, deu aval. O comando do Exército é avalista escancarado do genocidio Bolsonaro".

Já o candidato à Presidência em 2018 pelo PDT, Ciro Gomes, disse que "militar não faz política, não sobe em palanque no regime republicano. Ao render-se às pressões de um presidente inconformado com a ordem constitucional, o Alto Comando preferiu se preservar a preservar o Exército. A nação e o futuro governo saberão preservar o Exército e o regime".

Fora do meio político, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também criticou o desfecho do episódio envolvendo o ex-ministro da Saúde.

"A partidarização das Forças Armadas ameaça a democracia e abre espaço para a anarquia nos quartéis. A grave situação do país exige das instituições respostas firmes", escreveu o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz.

Pazuello foi nomeado na terça-feira (1º) para um cargo na Secretaria de Assuntos Estratégicos, vinculada à Presidência da República. Ele será secretário de Estudos Estratégicos no órgão, segundo edição extra do Diário Oficial da União.

O ato de designação de Pazuello foi assinado pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.

O ex-ministro da Saúde também é um dos principais alvos da CPI da Covid, por ter comandado a pasta durante o agravamento da pandemia no país. Ele prestou depoimento ao colegiado, quando blindou o presidente Jair Bolsonaro, e foi reconvocado.

No dia 23 de maio, ele participou de um ato político no Rio de Janeiro ao lado de Bolsonaro. Como militar da ativa, a presença do general na manifestação causou constrangimento no comando da Força, e Pazuello teve que apresentar explicações em um processo disciplinar.

Os diferentes discursos sobre o ato no Rio

18.mai
Jair Bolsonaro, em mensagem em vídeo publicado pelo deputado Otoni de Paula (PSC-RJ)

  • “Amigos do Rio de Janeiro, no próximo domingo, dia 23, juntamente com o [deputado] Otoni de Paula, vamos dar um passeio de moto no Rio de Janeiro. Fui convidado por várias associações e agora vou neste compromisso, motivo de honra e satisfação, voltar ao nosso querido Rio de Janeiro. Até domingo, se Deus quiser”


23.mai
Jair Bolsonaro, em manifestação com motoqueiros no Rio de Janeiro, no dia 23 de maio

  • “Um momento como este não tem preço. Ser reconhecido e ser, porque não dizer, aplaudido por parte da população apesar das dificuldades”
  • “Vamos sim, cada vez mais, fazendo com que as pessoas eleitas por você melhorem a sua qualidade. E nós temos este compromisso”
  • “Imaginem se o poste tivesse sido eleito presidente da República [referência a Fernando Haddad]. Como estaria nosso Brasil no dia de hoje?”

Eduardo Pazuello, em manifestação com motoqueiros no Rio de Janeiro, no dia 23 de maio

  • “Eu não ia perder esse passeio de moto de jeito nenhum. Tamo junto, hein? Tamo junto. Parabéns pra galera que está aí, prestigiando o PR [presidente]. PR é gente de bem. PR é gente de bem. Abraço, galera”

Flávio Bolsonaro, em rede social

  • “Hoje foi mais um dia histórico! Apesar de todo esse apoio, não são os brasileiros que estão com Bolsonaro, é o presidente que está com o povo”
  • “A melhor pesquisa eleitoral é o povo, ao qual [sic] o presidente nunca saiu do lado! [...] Verdadeira festa da democracia!!”

Carlos Bolsonaro, em rede social

  • “Obrigado a todos pelo apoio gigantesco que oferecem ao meu pai! Isso certamente jamais será desconsiderado!”

Mario Frias, em rede social

  • “O DATAPOVO informa: não adianta chorar. É o presidente mais amado da história!!!”

27.mai
Jair Bolsonaro, em live semanal

  • “É um encontro que não teve nenhum viés político, até porque eu não estou filiado a partido político nenhum ainda. Foi um movimento pela liberdade, pela democracia e apoio ao presidente”

3.jun
Jair Bolsonaro, em live semanal

  • “A punição existe nas Forças Armadas. Ninguém interfere, a decisão é do comandante da unidade. E a disciplina só existe porque nosso código disciplinar é bastante rígido”
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