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CPI da Covid congresso nacional

Acusação de propina da vacina segue no colo do governo Bolsonaro

Perguntas sem resposta são tão chamativas quanto tentativa, na prática, de isolar Planalto da crise

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São Paulo

No turbulento depoimento do denunciante da suposta cobrança de propina para compra de vacinas no Ministério da Saúde, o mais confuso até aqui na CPI da Covid, sobraram mais perguntas do que respostas.

A grave acusação feita por Luiz Paulo Dominguetti à Folha segue onde está: no colo das autoridades de saúde cuidando da pandemia no governo Jair Bolsonaro. Não por acaso, o acusado de cobrar propina, Roberto Dias, foi posto na rua.

O cabo da PM mineira Luiz Paulo Dominguetti durante seu depoimento à CPI da Covid
O cabo da PM mineira Luiz Paulo Dominguetti durante seu depoimento à CPI da Covid - Pedro Ladeira/Folhapress

Há diversas pontas soltas no cipoal da história. Primeiro, a qualificação de um cabo da PM mineira para ser recebido no ministério como um representante sério de um negócio da China —ou, no caso, do Reino Unido.

Como disse o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), é um conto da carochinha a oferta de 400 milhões de doses de vacina nas condições dos envolvidos. Personagens como Dominguetti não são inusuais no mercado persa das pequenas e grandes negociatas brasilienses.

O problema é outro: por que mesmo Dominguetti foi recebido três vezes na pasta e, segundo seu relato, houve até oferta de propina?

A própria empresa intermediária confirmou que o cabo esteve a seu serviço, ainda que numa certa informalidade —como o denunciante candidamente admitiu, maravilhas deste Brasil, não poderia estar fazendo bico nem como segurança.

Mas foi a pirueta mesmo dada por Dominguetti à CPI, a tentativa de envolver o deputado Luis Miranda (DEM-DF), que adicionou brumas ao caldeirão que cozinhava versões incompletas.

Miranda havia envolvido diretamente Jair Bolsonaro na suspeita de fraudes no processo de aquisição, ora suspenso, de 20 milhões de doses do imunizante indiano Covaxin.

Afirmou ter avisado o presidente, que segundo ele citou o líder do governo na Câmara, o ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR), como o responsável pelo rolo —e nada teria feito.

Desde que isso ocorreu, na noite da sexta passada (25), o Planalto e o governismo se meteram num vaivém de versões para tentar isolar Bolsonaro. O próprio fez o que sabe em público, vociferar e denunciar mais um complô.

Vindo do nada, um áudio inconclusivo de Miranda, que o próprio disse ser antigo e, logo, desmontável —o que um deputado estava fazendo discutindo um outro negócio na área de saúde no meio da pandemia, esta é outra questão brasileiríssima do enredo.

Senadores da oposição acusaram a suspeita, prontamente negada pelos governistas, de um clássico das comissões de inquérito: de Operação Uruguai.

Naquela CPI que transformou o instrumento em um fetiche entra governo, sai governo, aliados do então presidente Fernando Collor inventaram um conto da carochinha para justificar altas despesas do chefe.

Deu no que deu ao fim, mas os tempos mudaram e o centrão, que está por ora fechado com Bolsonaro, acredita no que lhe convém mais e mantém as chaves do impeachment junto ao peito.

Em nada ajudou o cabo mentir e dizer que não é ou foi bolsonarista, apesar de o seu perfil no Facebook exsudar os humores da categoria.

Obviamente, não é possível fazer uma acusação direta sobre nada disso, até pelas dúvidas acerca das motivações de Dominguetti e de outros personagens citados, a começar pelo seu contato na empresa intermediária.

Isso fica para a fila de depoimentos que a sua fala convidou. Mas o efeito é claro: a tentativa de blindagem de Bolsonaro, abraçada de cara pelos senadores da base governista na CPI, foi por água abaixo.

A pergunta lógica acerca de tal hipótese uruguaia, no caso de ela ser verdadeira: será que seus proponentes acreditavam ser possível explodir a bomba da propina apenas dentro do Ministério da Saúde, como se isso fosse poupar as paredes do Planalto?

Aí a metáfora migra para o passado, para 1981, quando uma bomba real explodiu no colo de um militar, que pretendia plantá-la num evento do Dia do Trabalhador no Riocentro.

Aquilo evidenciou uma trama de militares insatisfeitos com a condução do ocaso da ditadura, e só ajudou a acelerar o fim do regime quatro anos depois.

Naturalmente, não se infere aqui alguma correlação da eventual trama com a presença ostensiva de militares da gestão do general da ativa Eduardo Pazuello na Saúde nos diversos esquemas que têm sido denunciados. Esta fala por si mesma.

O caso todo segue inconcluso. Politicamente, o Planalto só saiu até aqui do episódio com mais gás para alimentar os protestos contra Bolsonaro, com nova rodada prevista para sábado (3).

Quando o impeachment é algo visto como eventualmente possível por Gilberto Kassab, que disse isso à Folha, a hipótese deixou de ser acadêmica —ainda mais em um ambiente de desembarque de setores filobolsonaristas, como o mercado financeiro e parte do empresariado.

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