Sob Bolsonaro, democracia precisa ser o grande tema de 2022, disse Weffort à Folha em julho

Professor da USP que morreu nesta segunda disse que presidente cria clima de apreensão para a eleição

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São Paulo

"O crescimento da democracia do Brasil é o grande tema do Brasil de hoje. O tema que eu espero que tome o cenário das eleições."

O ex-ministro e professor emérito da USP Francisco Weffort, que morreu neste domingo (1º) aos 84 anos, disse em uma de suas últimas entrevistas que observava sob o governo Jair Bolsonaro um "deslocamento" do debate público de questões sociais e econômicas para temas políticos e institucionais.

Weffort falou à Folha por telefone no último dia 1º de julho. Na ocasião, afirmou: "Não tem sentido seguir qualquer política no Brasil que prejudique o desenvolvimento democrático do país".

A entrevista foi motivada pela produção de uma reportagem analítica do jornal que abordava recentes atitudes de Bolsonaro, como a de promover motociatas pelo país, sob a ótica de pesquisadores do populismo.

Ao longo de 35 minutos de conversa, o professor de ciência política analisou o cenário eleitoral para o próximo ano, acusou Bolsonaro de tentar "fugir da democracia" ao pôr em dúvida a lisura das eleições e comparou atitudes do atual presidente com as de líderes políticos do século 20.

Homem de óculos em frente a estante com livros
O cientista político e ex-ministro da Cultura, Francisco Weffort, durante entrevista em sua casa no Rio, em 2012 - Cecília Acioli - 12.dez.2012/Folhapress

"A capacidade de mentiras, que todo político tem, no caso de Bolsonaro vai além do razoável", afirmou.

Weffort, na entrevista, atribuiu a ascensão há três anos do capitão reformado a um "momento de excepcional decadência do poder público", nos governos de Dilma Rousseff (2011-16) e Michel Temer (2016-18).

Para o professor, o atual presidente é um populista de direita que, como todo populista, "convive mal com a democracia".

O populismo é um conceito teórico da ciência política, aplicado tanto a representantes da esquerda quanto da direita, caracterizado, entre outros pontos, pelo discurso de opor o "povo" a uma elite, que pode ser econômica, política ou intelectual.

Weffort estudou o assunto em obras como a coletânea "O populismo na política brasileira", publicada nos anos 1970.

"Um presidente da República não precisa dizer 'Quem manda sou eu' [como Bolsonaro já afirmou em diferentes ocasiões]. Ele só diz quando quer afrontar os Poderes democráticos. O presidente da República tem por Constituição um poder enorme. Quando diz isso, ele já está afrontando. Ele tenta chamar a atenção para si", afirmou o professor, na entrevista.

Questionado sobre atitudes personalistas do atual presidente, como a mobilização de multidões de apoiadores, o professor fez um paralelo com a Presidência de Jânio Quadros, que durou apenas sete meses em 1961.

"O personalismo é claro, como tática dele [Bolsonaro]. Quer chamar a atenção para si, assim como o Jânio chamava a atenção para si. Do Jânio dizia que jogava caspa [no paletó] para simular que era pobre, não sei se era verdade. Mas criava-se uma falação. Ele provocava esse tipo de situação, como uma afronta a uma opinião de classe média para quem lavar a cabeça e pentear os cabelos era um sinal de boa educação. Ele queria dizer que estava ao lado do povo. Era o tipo que o Jânio fazia."

Em relação às motociatas em si, disse ver uma tentativa de manter uma presença ostensiva no centro das atenções públicas e de mobilização eleitoral antecipada.

"Bolsonaro tem uma arrogância de atleta, uma arrogância juvenil, embora ele seja velho também, tem mais de 60 anos. Não é um jovem de 25 anos, para andar de motocicleta. Em todo caso, ele faz um show para mostrar que está vivo, que é candidato. É uma parte da campanha eleitoral."

Weffort, a partir dos anos 1980, teve trajetória marcante nos dois principais blocos políticos da remedocratização brasileira, o do PT e o do PSDB.

Ele foi fundador petista e secretário-geral do partido, mas se desfiliou ao receber convite para integrar a equipe de Fernando Henrique Cardoso já após a vitória tucana no pleito de 1994.

Como ministro da Cultura, foi um dos poucos que permaneceram na Esplanada do primeiro ao último dia da Presidência de FHC. Não teve mais filiação partidária.

Para 2022, ele se dizia favorável à articulação de uma candidatura do centro político.

"Acho que seria melhor ter uma candidatura de centro, para a democracia brasileira. Bolsonaro até certo ponto se alimenta de uma possível polarização com Lula. Acho que ele vai perder para Lula também, na minha opinião, que tem mais prestígio popular do que ele. Mas, como não surge uma candidatura de centro, finalmente vamos chegar à polarização."

Na entrevista à Folha, o professor mostrou preocupação com movimentos do mandatário já visando o pleito do próximo ano e disse ver na aproximação com o centrão uma "renúncia à autonomia" de seu governo no Congresso.

Demonstrou muito ceticismo com a extensão do apoio popular que o presidente diz mobilizar e
previu fracasso de eventual tentativa de levante contra o resultado das eleições, nos moldes do insuflado pelo líder americano Donald Trump em janeiro.

"Bolsonaro está tentando fugir da democracia e criar um clima de apreensão aos democratas na chegada de 2022."

E acrescentou: "Está fazendo essa preparação eleitoral com o argumento de que ainda vai ser roubado na eleição. Ele sabe que vai perder, mas está antecipando o argumento".

Ao fim do telefonema, quando o repórter pediu para confirmar informações biográficas suas, disse: "Tenho orgulho de ser considerado professor emérito da Universidade de São Paulo. É uma decisão que a congregação da Faculdade de Filosofia tomou no meu caso, como de outros também, para aposentados, que podem receber essa homenagem. Um título adicional".

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