Descrição de chapéu Folhajus

Documentos contrariam versão de Bretas sobre encontro com advogado delator

Áudio indica que juiz da Lava Jato debateu confissão de Cavendish antes de audiência; magistrado negou ao TRF-2 influência em depoimento

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Rio de Janeiro

Gravação e documentos contrariam a explicação dada pelo juiz Marcelo Bretas, condutor da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro, sobre o encontro com o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho para tratar da confissão do empresário Fernando Cavendish.

Os dados mostram que o magistrado debateu os efeitos da confissão dias antes do primeiro interrogatório do empresário, e não após a audiência, como informou à Corregedoria do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região).

Os termos da conversa indicam que o objetivo do encontro era dar segurança para a confissão de Cavendish no processo da Operação Saqueador.

A ação penal foi a que definiu Bretas como o responsável por todos os desdobramentos das investigações contra o ex-governador Sérgio Cabral, que atingiram anos depois doleiros e advogados.

Homem de terno, óculos e barba com um painel ao fundo onde se lê a palavra corrupção
O juiz Marcelo Bretas participa do Simpósio Nacional de Combate à Corrupção, na FGV Rio - Ricardo Borges - 23.nov.2018/Folhapress

O áudio a que a Folha teve acesso faz parte da delação premiada firmada por Nythalmar com a PGR (Procuradoria-Geral da República). Nela, o advogado relata supostos acordos feitos com o juiz antes do proferimento de sentenças com o envolvimento de procuradores.

O advogado procurou a equipe do procurador-geral Augusto Aras após ser alvo de busca e apreensão numa investigação do Ministério Público Federal sob suspeita de tráfico de influência e venda de prestígio na captação de clientes.

A investigação que corria no Rio de Janeiro foi levada para Brasília em razão do foro especial de procuradores regionais da República, que atuam na segunda instância.

Bretas nega ter combinado estratégias com o advogado e o Ministério Público. Ele afirma que não teve acesso à íntegra da gravação, bem como não se lembrar da data exata do encontro.

À PGR Nythalmar relatou ter participado de uma negociação com Bretas e o procurador regional Leonardo Freitas, à época membro da força-tarefa fluminense, sobre como a confissão de Cavendish no interrogatório afetaria o acordo de delação ainda em debate.

Homem de terno dentro de uma cabine de avião
O advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, que firmou acordo de delação premiada com a PGR - Reprodução

Trechos da transcrição da conversa gravada por Nythalmar revelados pela revista Veja em junho mostram o magistrado afirmando que a confissão não impediria a assinatura posterior do acordo com o MPF.

O magistrado ligou para Freitas para ratificar a informação. O procurador disse, com a ligação em viva-voz, que se comprometia a continuar defendendo a assinatura do acordo mesmo após a confissão. O juiz também afirmou que reduziria a pena do empresário em razão da confissão.

Com base na reportagem publicada pela Veja, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) fez uma representação contra Bretas na Corregedoria do TRF-2.

Ao órgão o juiz afirmou que foi informado sobre a celebração do acordo de colaboração premiada minutos antes do interrogatório de Cavendish no processo da Operação Saqueador, na qual o dono da Delta era acusado de lavagem de dinheiro e distribuição de R$ 370 milhões em propina.

Segundo Bretas, os dois informaram que o acordo seria formalizado posteriormente nos autos, mas que Cavendish confessaria seus crimes na audiência daquele dia, em 7 de agosto de 2017.

O magistrado afirmou à Corregedoria que o encontro em que debate os efeitos da confissão ocorreu “algum tempo depois” do interrogatório. Segundo a versão, Nythalmar se queixava da demora na formalização do acordo.

Bretas diz que ligou para Leonardo na presença do advogado. O procurador, segundo o magistrado informou à Corregedoria, explicou a razão da demora na assinatura da delação, mas garantiu que ainda tinha interesse no acordo.

O início do áudio, porém, indica que o debate entre os três ocorreu antes da audiência e tinha como objetivo dar segurança para a confissão de Cavendish. Segundo a Folha apurou, o encontro ocorreu na semana anterior à audiência da Saqueador.

Na gravação, Bretas afirma que Cavendish “está com dificuldade em confessar” porque a equipe do advogado Antônio Pitombo, que também defendia o empresário, resistia a concordar com essa orientação em razão da não formalização do acordo.

O áudio mostra que o procurador se surpreendeu com o envolvimento de Nythalmar no caso. Ele afirma que estava tratando da delação de Cavendish com Pitombo, e não com o advogado presente na conversa.

De fato, Nythalmar não tinha nenhuma procuração de Cavendish para atuar na Saqueador naquela altura. Ele atuava em favor do empresário em outro processo, sobre cartel em obras no Rio de Janeiro.

Pitombo, por sua vez, era quem representava Cavendish na Saqueador. A ata da audiência mostra que era ele quem estava presente à audiência na qual Cavendish confessou pela primeira vez, não Nythalmar.

Pitombo só deixou a defesa de Cavendish por completo em janeiro de 2018.

Segundo a Folha apurou, a saída se deu justamente em razão da divergência sobre a atuação de Nythalmar e a estratégia adotada. Cavendish era, naquele momento, o segundo réu da Operação Lava Jato a entregar seu caso para o jovem cuja ascensão surpreendia o meio jurídico fluminense.

No mês em que deixou a defesa de Cavendish, Pitombo publicou um artigo no site Consultor Jurídico no qual compara advogados a “médicos, não curandeiros”.

“Cumpre-nos dedicação a quem nos contrata e técnica no exercício da profissão. Advogados nada prometem além de usar todos os meios legítimos para justificar a razão que seu constituinte tem. [...] Neste iniciar do ano judiciário, parece importante reafirmar essas obviedades com o fito de aclarar as perspectivas do jovem advogado, em especial, do jovem criminalista”, escreveu Pitombo em janeiro de 2018.

​A delação de Cavendish só seria formalizada em novembro de 2018, e homologada em janeiro do ano seguinte.

O processo da Saqueador é central na atuação de Bretas em todos os demais processos envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral.

A denúncia contra Cavendish foca a geração do caixa dois da Delta para o pagamento de propina. Mas menciona repasses ilegais ao governador, apesar de não acusá-lo.

Essa menção ajudou a tornar Bretas prevento para assumir os casos envolvendo Cabral. A prevenção faz com que as investigações e denúncias sejam encaminhadas diretamente a um magistrado a par do assunto, e não sorteadas como é a regra. O objetivo é evitar decisões conflitantes, bem como agilizar a análise de casos complexos.

A confissão de Cavendish reforçou esse vínculo original de todas as operações da Lava Jato fluminense envolvendo Cabral, que era alvo de debate em tribunais superiores.

Bretas diz que versões são lembranças sem precisão de data

Procurado, Bretas afirmou que não poderia comentar o teor do áudio porque não teve acesso à gravação e não sabe exatamente quando ela ocorreu.

“As informações que passei [para a Corregedoria] foram a partir de lembranças que tinha de algo que teria se passado há alguns anos. Não sei o que foi gravado nem quando”, disse ele.

À Corregedoria do TRF-2 o magistrado declarou que o MPF e a defesa de Cavendish negociaram o acordo, bem como a confissão, sem seu envolvimento. “As partes assim agiram sem minha solicitação, consentimento ou consulta prévia”, afirmou Bretas.

“É fantasiosa e mentirosa a afirmação de que agi com parcialidade, combinando estratégias ao mesmo tempo com o advogado e com o Ministério Público, além de ser totalmente confusa e absurda a alegação de que, ao mesmo tempo, eu orientava e pressionava os advogados”, escreveu o magistrado ao TRF-2.

O procurador Leonardo Freitas afirmou que só poderia comentar após ter acesso às informações do acordo de colaboração. Nythalmar afirmou que não poderia comentar o caso. Pitombo não retornou às ligações e mensagens da reportagem.

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