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Eleições 2022

Filiação de Bolsonaro deixa claro que Moro, por ora, é principal adversário

Coube a Flávio Bolsonaro dar o tom eleitoral e abrir a artilharia contra ex-juiz e ex-ministro, chamando-o de traidor

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Brasília

As cartas foram colocadas à mesa na filiação de Jair Bolsonaro ao PL, na manhã desta terça-feira (30).

Coube ao senador Flávio Bolsonaro (RJ), que também se filiou ao partido, abrir a artilharia contra Sergio Moro (Podemos), ex-juiz da Lava Jato e ministro da Justiça do governo do pai por 16 meses.

O recibo foi passado. É Moro, o "traidor", que por ora aparenta representar o inimigo mais urgente a ser batido, exatamente por pontuar em um eleitorado de direita muito similar e por ameaçar, no final das contas, a ida do presidente ao segundo turno em 2022.

Em um segundo momento, citou-se o "ladrão de nove dedos", como Flávio —personagem central do esquema das 'rachadinhas'— se referiu a Lula (PT).

Evento de filiação do presidente Jair Bolsonaro no PL, partido de Valdemar Costa Neto - Pedro Ladeira/Folhapress

Agora abrigado no PL, o bolsonarismo ganha a musculatura da "velha política" que tanto criticou, verbas e tempo de propaganda na TV, tudo o que precisa para espalhar ataques a "traidores" e "ladrões" que escolher pelo caminho.

Fecha-se em torno de Bolsonaro o apoio do centrão, como mostrou a presença em peso do PP, com o ministro Ciro Nogueira (PI) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL).

Do lado do PL, não há grande segredo sobre o objetivo do partido de Valdemar Costa Neto. Ganhe Bolsonaro a eleição, o partido se dará muito bem. Perca Bolsonaro, o partido continuará se dando muito bem. Pelo menos esse é o plano.

A expectativa é a de que abrigar um candidato à Presidência da República depois de um hiato de 33 anos levará o partido a dobrar de tamanho na Câmara e, com isso, ampliar seu poder no governo, seja lá que governo for.

O PL perdeu uma espécie de bilhete premiado em 2018. Chegou a negociar naquele ano com Bolsonaro, mas divergências com Flávio Bolsonaro para a montagem da chapa no Rio inviabilizaram a filiação.

O então pré-candidato acabou deixando uma noiva no altar, o PEN, que até mudou o nome para Patriota para recebê-lo, e fechou com o PSL de Luciano Bivar.

A onda de direita que se mostrou, abertas as urnas, transformou o então nanico PSL na segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados federais eleitos, 10% do total de cadeiras da Casa.

O partido de Valdemar Costa Neto quer pegar de volta esse bilhete agora, apesar de o cenário ser outro e de as eleições municipais de 2020 terem mostrado que dificilmente o fenômeno bolsonarista de quatro anos antes se repetirá.

A Câmara é alvo de cobiça dos partidos por vários motivos. Bancadas robustas dão poder não só nas votações e assuntos internos do Legislativo, mas nas negociações com o governo, que resultam em cargos e bilionárias verbas das emendas parlamentares.

Além disso, a votação na eleição da Câmara define o quanto as siglas vão ter de verba partidária e eleitoral e de espaço na propaganda na TV.

Para entender melhor onde o PL quer chegar é preciso entender um pouco de onde o PL veio. E por onde passou. O partido é uma das várias crias da Arena, a sigla que apoiava o regime militar. E sempre teve dono. Valdemar foi o segundo.

Com o fim do bipartidarismo, um deputado federal mediano do Rio, Alvaro Valle, liderou em 1985 a criação do Partido Liberal após se desentender com sua legenda, o PFL (Partido da Frente Liberal), por sua vez uma dissidência do PDS, a sigla herdeira da Arena.

O PL atingiu certo grau de notoriedade quatro anos depois, em 1989, quando Guilherme Afif Domingos e seu slogan "Juntos chegaremos lá" quase fizeram crer, em determinado momento da campanha, que, de fato, o partido chegaria lá.

A candidatura derreteu na fase final e ele ficou em sexto. Desde então, o PL nunca mais teve o seu nome encabeçando uma chapa à Presidência.

Logo depois, em 1990, Valdemar Costa Neto se elegeria para o primeiro de seus seis mandatos de deputado federal.

"Boy", como é seu apelido em Mogi das Cruzes (SP), cidade em que o pai foi prefeito, ingressou na política no final dos anos 70, também na Arena. Assim como Alvaro Valle, passou pelo PDS antes de ir para o PL.

Na Câmara dos Deputados, logo assumiu protagonismo na bancada. No Carnaval de 1994 já exibia poder e influência política, a ponto de ser o dono do camarote da Sapucaí frequentado pelo presidente da República.

Na ocasião, Itamar Franco foi fotografado ao lado de uma modelo sem calcinha durante os desfiles.

No governo Fernando Henrique Cardoso, o PL viveu momentos de oposição, após Valdemar se desentender com o então poderoso ministro das Comunicações, Sergio Motta. Então com pouco mais de dez deputados federais, o partido se esforçava na ocasião para escapar do pelotão dos nanicos.

Foi em 2002 que a sigla deu sua primeira grande guinada, aí já sob o comando incontestável de Valdemar, que havia assumido a presidência da legenda dois anos antes, com a morte de Alvaro Valle.

Na eleição presidencial daquele ano, o empresário mineiro José Alencar caiu nos braços do PL após se desentender com o partido pelo qual havia sido eleito senador, o MDB. Alencar foi escolhido para ser vice de Lula, que venceu a eleição e se tornou presidente da República a partir de 2003.

Desde então, com altos e baixos e algumas pedras pelo caminho, entre elas o escândalo do mensalão, em que Valdemar foi condenado a 7 anos e dez meses de prisão, o PL esteve na órbita dos governos do PT, em especial comandando a área de transportes.

De 2006 a 2019 o partido trocou de nome para PR (Partido da República), devido à fusão com o Prona de Enéas Carneiro.

Valdemar caiu em desgraça com o mensalão, renunciou ao mandato de deputado por duas vezes —em 2005, quando estourou o escândalo, e em 2013, quando saiu sua ordem de prisão—, mas mesmo na cadeia não perdeu a influência sobre a sigla.

O partido teve um segundo momento de ascensão em 2010, quando o palhaço Tiririca se tornou o deputado mais votado do país e o PL, a sua sigla, chegou a 41 deputados federais eleitos, a sua melhor marca até agora.

O partido passou a partir de 2014 a integrar o centrão, grupo liderado por Eduardo Cunha (MDB-RJ) e que seria decisivo na derrubada de Dilma Rousseff em 2016. Nesse mesmo ano, o STF perdoou a pena de Valdemar.

Agora, cinco anos depois, a sigla deve engordar mesmo antes da eleição, com a filiação de bolsonaristas, ampliando consideravelmente a atual bancada, que tem 43 parlamentares —tanto com os que chegam agora como com os que virão na janela de troca-troca partidária, em março.

Na eleição de outubro, a promessa é eleger em torno de 60 deputados federais (na última disputa a sigla elegeu 33 parlamentares). Candidatos a campões de voto, como Eduardo Bolsonaro (SP) e Carla Zambelli (SP), ambos no PSL, entre vários outros, devem se filiar à sigla.

Se um número desses se confirmar, dificilmente o PL poderá ser alijado de qualquer composição governamental, mesmo que Bolsonaro perca. Seja ela de um governo Lula, vide o histórico de proximidade entre os dois grupos políticos, seja de outros governos.

Até mesmo, possivelmente, de Moro. Adversário do grupo ao qual o PL pertence, o ex-juiz da Lava Jato já afirmou ver gente boa dentro em todos os partidos, inclusive no centrão.

Para isso, teria que se livrar dos bolsonaristas derrotados, tarefa que, nesse cenário, poucos duvidam que irá acontecer.

Ou seja, mais do que vencer a disputa ao Palácio do Planalto, interessa ao PL vencer a disputa de foice para se manter relevante ou para se tornar a principal legenda na Câmara e no Senado.

Nesta terça, não se notou nenhum pudor na superaglomeração promovida em um abafado espaço de um hotel de luxo de Brasília, ocasião em que principalmente as autoridades bolsonaristas e os caciques do PL, quase todos sem máscara, prestaram um tributo ao negacionismo.

Valdemar não teve pudor ao se dizer orgulhoso de "empunhar as bandeiras" da obra de Bolsonaro, o mesmo que anos antes havia dito que o centrão representava o que há de pior na política.

Na noite do dia 2 de outubro de 2022 o PL saberá se o bilhete premiado de 2018 continua com validade para trazer louros ao seu portador. Se tudo der errado, não será o pudor que impedirá uma mudança de rumo.

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