Caso Arthur do Val agrava crise no MBL e põe em xeque futuro político do grupo

Movimento fica com plano de expansão ameaçado por falas sexistas do deputado e enfrenta pressão no Podemos

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São Paulo

A repercussão das falas de cunho sexista do deputado estadual Arthur do Val, o Mamãe Falei (Podemos-SP), terá impacto no projeto político do MBL (Movimento Brasil Livre), do qual ele é um dos principais líderes. A nova crise se soma a uma série de reveses que o grupo sofreu nos últimos anos.

Além da retirada de sua pré-candidatura a governador de São Paulo, anunciada horas após a revelação dos áudios com conteúdos ofensivos a mulheres na guerra na Ucrânia, o episódio interferiu na relação do movimento com o presidenciável Sergio Moro (Podemos), que tenta se descolar do escândalo.

O MBL promoveu uma série de adaptações de discurso e imagem desde a vitória do presidente Jair Bolsonaro (PL), fortemente apoiada pelo grupo, e vinha traçando um ambicioso plano político para a próxima década, que passava pela eleição e fortalecimento de quadros no estado de São Paulo.

Homem aparece gravando o vídeo, como se fosse uma selfie, à noite
O deputado estadual Arthur do Val, em trecho do vídeo que gravou na fronteira entre Ucrânia e Eslováquia, divulgado neste domingo (6) - Reprodução Youtube

Depois de romper com o atual governante em 2019 e fazer um mea-culpa sobre sua parcela de responsabilidade na radicalização do debate público no país, a entidade vive um momento agudo de "cancelamento" na opinião pública e de indefinição sobre o futuro imediato de seus líderes.

Com o reposicionamento, a intenção era figurar como um catalisador de setores contrários simultaneamente ao bolsonarismo e ao petismo. Não à toa o congresso anual do MBL, em novembro, virou uma ode à terceira via na corrida presidencial, com a presença de postulantes da centro-direita.

A maré negativa já estava em andamento desde o mês passado, depois que o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) se envolveu em controvérsia ao dizer, em entrevista a um podcast, que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo. Sob pressão de Moro e aliados, ele pediu desculpas.

A adesão do MBL à candidatura do ex-juiz, até então tratada como um trunfo na aproximação com o eleitorado jovem e na estratégia de mobilização das redes —trabalho que deu visibilidade ao grupo desde sua fundação, em 2014— acabou se tornando uma dor de cabeça para o presidenciável.

Como parte do acordo, a organização alojou algumas de suas principais lideranças, inclusive Arthur, no Podemos. Apesar da estratégia de marketing para valorizar sua dimensão, o MBL já tinha dado mostras de perda de fôlego com o fiasco de uma manifestação pelo impeachment de Bolsonaro em 2021.

Anunciada como um contraponto aos protestos puxados até então majoritariamente pela esquerda, o ato das forças liberais e antipetistas acabou atraindo um público reduzido à avenida Paulista em setembro, abrindo flanco para questionamentos de opositores sobre a real dimensão de sua base.

O contraste entre o tamanho de público na rua e o número de seguidores em suas páginas em redes sociais foi lido como um sinal de perda de força. O cenário era ainda mais negativo se comparado às multidões que o MBL ajudou a arrastar nas ruas pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Entre uma metamorfose e outra, o movimento perdeu um de seus integrantes mais midiáticos, o vereador da capital Fernando Holiday (Novo), que vinha se estranhando com outros componentes e anunciou sua saída em janeiro de 2021. Ele, que é gay, cobrava mais espaço para a pauta LGBTQIA+.

Apesar de tropeços aqui e ali, o grupo vinha demonstrando força no âmbito eleitoral.

Com seus principais cabeças abrigados dentro de partidos —como DEM e, mais recentemente, Patriota, até o desembarque em peso no Podemos—, colheu resultados significativos, como os 9,8% dos votos válidos de Arthur na disputa para prefeito da capital paulista em 2020.

O desempenho era tratado pelos principais articuladores como indício de que o grupo estava no caminho certo em sua trajetória de expansão. O plano era se firmar a longo prazo como uma plataforma do ideário liberal e da direita moderada, com conexão com a juventude e linguagem moderna.

Sob pressão, com pedidos de cassação do mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo e de expulsão do partido por parte de alas rivais e correligionários escandalizados com o teor das mensagens, Arthur desistiu da disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, em boa medida, para preservar Moro.

O MBL tenta agora emplacar outro de seus líderes, o vereador da capital Rubinho Nunes, como o candidato do Podemos no estado. Ele, que inicialmente seria lançado para deputado federal, não quis falar sobre o episódio envolvendo Arthur. Como outros membros, limitou-se a divulgar nota do movimento repudiando as falas.

Pré-candidato do partido Novo a governador, o deputado federal Vinicius Poit diz que tem visto nos últimos dias uma migração na direção dele de eleitores que pretendiam votar no membro do MBL. "Acho que posso alcançar nas próximas pesquisas de 4% a 5% das intenções", afirma.

Para Poit, ele e Arthur navegam "em uma raia muito parecida do eleitorado", por isso a saída do rival do páreo o fortalece. "Somos a única candidatura que vai contra o sistema e não usa o fundo eleitoral, a única que é nova de verdade e traz um perfil jovem para a política paulista."

O deputado afirma, no entanto, que o fato envolvendo Arthur, embora seja "condenável e merecedor de todo o repúdio", não pode ser usado para afastar os jovens do debate político. "Tem muita gente boa que faz parte do MBL e vai seguir com candidaturas. Acho importante para renovar a política brasileira."

O prefeito de Itapevi, Igor Soares (Podemos-SP), que largou a presidência estadual do partido por discordar da candidatura de Arthur, diz que sempre foi crítico do estilo barulhento do deputado youtuber e que agora o movimento está sendo vítima de campanha semelhante às que promoveu.

"O MBL sempre tratou suas decisões com radicalismo e muito ataque. Estão sofrendo ataques que eles já impuseram a outros projetos políticos. Fizeram assim com Bolsonaro e a esquerda. Precisam respeitar para serem respeitados. A política de extremos só está amargando por ter entrado nesse caminho."

Ele e outros quatro prefeitos da legenda em São Paulo enviaram ao comando da sigla um pedido de expulsão de Arthur. Para Soares, que defende apoio a Rodrigo Garcia (PSDB), a proposta de substituição por Rubinho Nunes como o postulante ao governo não deve prosperar internamente.

"Temos que ter uma candidatura com experiência, e ele está no seu primeiro mandato de vereador. É um egoísmo por parte do MBL. Está parecendo que não é um projeto para melhorar o estado, mas um projeto de poder deles. Democracia pressupõe diálogo e respeito", afirma.

O futuro político de Arthur se tornou incerto com a desistência. A cúpula do movimento, porém, minimiza as especulações sobre o fim de seu projeto político e afirma que o MBL não se alimenta de eleições e tem condições de encarar as críticas vindas de membros do Podemos, por exemplo.

Há uma ponta de ressentimento pelo fato de Moro ter condenado a atitude do ex-aliado sem nem ouvi-lo, já na sexta-feira (4). Apesar disso, porta-vozes compartilham a impressão de que o "cancelamento" do deputado pode durar pouco, algo em torno de uma semana.

A prioridade agora, dizem, é restabelecer a verdade, ou seja, esclarecer que o deputado não fez turismo sexual na Ucrânia e que é uma pessoa honesta. O deputado pediu desculpas aos colegas e até cogitou deixar o MBL para não prejudicar ainda mais o grupo. A questão, contudo, não foi deliberada.

À Folha ele disse que vai se afastar do movimento. "Eu só quero que as pessoas não sofram as consequências do que eu fiz."

O grupo também viu desmoronar o plano que já tinha sido traçado para a hipótese de que Arthur não fosse para o segundo turno na eleição estadual. A ideia era declarar apoio a outro postulante na segunda etapa da disputa e tentar negociar eventual participação na gestão.

Especulava-se, pro exemplo, que o hoje deputado estadual poderia assumir alguma secretaria na área de desestatizações, ganhando, assim, uma roupagem mais técnica, distante do comportamento de tom arruaceiro que caracterizou o mandato de Mamãe Falei até aqui.

Desafeto de parlamentares da esquerda à direita, ele pode ter dificuldade para atenuar uma punição na Casa. Bolsonaristas, que acumulam desgastes com o colega e o consideram um traidor do presidente, exploraram o caso com vigor nos últimos dias, assim como políticos do campo progressista.

Nesta terça (8), o movimento deve se reunir para tratar do tema. Arthur e Kataguiri, por enquanto, tendem a submergir temporariamente, No período eleitoral, devem ganhar espaços, além de Rubinho, nomes do grupo como Renato Battista e Amanda Vettorazzo, que miram a Assembleia de São Paulo.

Os integrantes do movimento que já se manifestaram sobre o caso da Ucrânia por meio de vídeos seguem o exato roteiro da nota oficial do MBL. Criticam as falas do deputado, mas ressaltam as doações realizadas no país, motivo principal da viagem.

"O que o Arthur disse nos áudios é repugnante, inaceitável, injustificável", escreveu Kataguiri em uma publicação. "Dito isso, a crucificação que está sendo feita com o Arthur é completamente desproporcional à realidade política que a gente vive no nosso país. Por que eu estou dizendo isso? Porque o senador que foi pego com dinheiro na bunda continua sendo senador."


​RAIO-X

MBL (Movimento Brasil Livre)

Ano de fundação: 2014

Histórico: Surgido como um movimento em defesa do liberalismo, convocou protestos contra o PT e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Desde 2016 tem braços na política institucional, com membros eleitos com o apoio do grupo

Principais líderes: Kim Kataguiri, Renan Santos, Arthur do Val

Membros com mandato: quatro vereadores, entre eles Rubinho Nunes (Podemos-SP); um deputado estadual, Arthur do Val, o Mamãe Falei (Podemos-SP); um deputado federal, Kim Kataguiri (União-SP)

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