Descrição de chapéu Governo Bolsonaro Folhajus

Entenda o caso Milton Ribeiro, os áudios e as suspeitas de interferência de Bolsonaro

Esta não é a primeira vez em que o nome do presidente é atrelado a ingerências em órgãos públicos

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São Paulo

No dia em que foi deflagrada a operação Acesso Pago, que teve como alvos o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e pastores ligados a ele, o presidente Jair Bolsonaro (PL) se apressou em dizer que a investigação era um sinal de que a Polícia Federal trabalhava sob seu governo sem sofrer interferência.

A revelação de interceptações telefônicas feitas pela PF, porém, levantou suspeitas sobre o suposto vazamento da operação e de suposta ingerência do chefe do Executivo no caso.

O presidente Jair Bolsonaro e o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, durante cerimônia de formatura dos alunos Instituto Rio Branco, no Palácio do Itamaraty - Pedro Ladeira - 22.out.2020/Folhapress

O material sugere que Milton Ribeiro passou a suspeitar de que seria alvo de busca e apreensão após uma conversa com Bolsonaro. O temor teria sido manifestado pelo ex-ministro depois de a PF ter solicitado a prisão e as buscas contra ele e contra os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, acusados de comandarem um balcão de negócios no Ministério da Educação (MEC).

Esta não é a primeira vez em que o nome do presidente é atrelado a interferências em apurações ou em órgãos ligados ao governo. Bolsonaro chegou a ser investigado após o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) acusá-lo de trocar o comando da PF para proteger aliados e familiares. Um inquérito policial concluiu não haver indícios que sustentassem a denúncia.

Entenda, abaixo, o que se sabe sobre a investigação e os áudios que envolvem Milton Ribeiro e Bolsonaro.

O que é investigado pela operação Acesso Pago? Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura são peças centrais no escândalo do balcão de negócios dentro do Ministério da Educação, então sob o comando de Milton Ribeiro. Como mostrou a Folha, eles negociavam com prefeitos a liberação de recursos federais mesmo sem ter cargo no governo.

Os recursos são do FNDE, órgão ligado ao MEC e controlado por políticos do centrão, bloco político que dá sustentação a Bolsonaro desde que ele se viu ameaçado por uma série de pedidos de impeachment. O fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios. Prefeitos relataram pedidos de propina, algumas em ouro.

Milton Ribeiro nega seu envolvimento e diz que sua prisão foi injusta. A defesa de Gilmar Santos tem dito que o pastor não cometeu irregularidades. Já a de Arilton afirma que só se manifestará nos autos.

Milton Ribeiro ainda está preso? Não. Um dia após ser detido, o ex-ministro da Educação foi solto por decisão da Justiça. O juiz federal Ney Bello, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), decidiu na quinta (23) pela revogação da prisão preventiva do ex-ministro e dos demais detidos na operação Acesso Pago, entre eles os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura,​ ambos ligados a Bolsonaro.

O que foi dito nas conversas interceptadas pela Polícia Federal? Em ligação com sua filha no dia 9 de junho, Milton Ribeiro afirmou que o presidente Jair Bolsonaro teria dito estar com um "pressentimento" de que iriam atingi-lo por meio da investigação contra o ex-ministro.

"Hoje o presidente me ligou, ele está com pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim. É que tenho mandando versículos para ele", disse Ribeiro, na conversa revelada pela GloboNews e confirmada pela Folha. ​

Questionado pela filha sobre se Bolsonaro queria que o ministro parasse de enviar mensagens, Ribeiro negou e citou a suspeita levantada pelo presidente. "Não, não é isso. Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste", afirmou.

Já em uma segunda interceptação realizada na última quarta-feira (22), dia em que Ribeiro foi preso, a esposa do ex-ministro, Myrian Ribeiro, relatou a um interlocutor que seu marido "não queria acreditar", mas "estava sabendo" do que ocorreria. "Para ter rumores do alto é porque o negócio estava certo", disse em telefonema.

O que dizem os investigadores sobre o teor das conversas interceptadas? O Ministério Público Federal (MPF) e a PF sustentam a versão de possível vazamento e interferência com base nas interceptações telefônicas feitas ao longo da investigação.

Segundo a PF, a ligação de Myrian registrada leva a "crer que Milton Ribeiro teria conhecimento de uma possível operação policial", fato que já estava na mira dos investigadores por causa de outras conversas do ex-ministro, entre elas uma "que teria tido com o presidente da República com este mesmo teor".

O MPF, por sua vez, apontou "indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações".

O que diz a defesa do presidente Jair Bolsonaro? O advogado Frederick Wassef afirma que não houve conversa entre o presidente e o ex-ministro e que caberá a Ribeiro explicar o uso "indevido" do nome do chefe do Executivo. Wassef ainda reitera que Bolsonaro não interfere na Polícia Federal.

"Se o ex-ministro usou o nome do presidente Bolsonaro, usou sem seu conhecimento, sem sua autorização. Ele que responda. Compete ao ex-ministro explicar por que é que ele usa de maneira indevida o nome do presidente da República", disse o advogado de Bolsonaro nesta sexta-feira (24).

"O presidente não teve informações privilegiadas. Não tem nenhuma informação sobre nenhuma investigação", acrescentou.

O que acontece com o caso após a menção ao presidente da República? A suspeita de interferência de Bolsonaro e de vazamento da operação Acesso Pago embasaram a decisão do juiz Renato Borelli de enviar o caso para o STF (Supremo Tribunal Federal).

Além das conversas telefônicas, outro motivo para a remessa foi uma mensagem enviada a colegas pelo delegado federal responsável pelo pedido de prisão de Milton Ribeiro, Bruno Calandrini, de que houve "interferência na condução da investigação".

Calandrini diz no texto que a investigação foi "prejudicada" em razão de tratamento diferenciado dado pela polícia ao ex-ministro do governo Jair Bolsonaro. O episódio foi revelado pela Folha.

Qual a relação do ministro da Justiça com a suposta interferência? O ministro da Justiça, Anderson Torres, acompanhava o presidente Jair Bolsonaro em viagem aos Estados Unidos quando, segundo Milton Ribeiro, o mandatário telefonou para avisar sobre um "pressentimento" de que haveria uma operação da Polícia Federal.

Como titular da Justiça, Torres tem sob a aba do seu ministério a Polícia Federal, responsável pela operação que investiga as irregularidades na liberação de verbas do Ministério da Educação. Além disso, o atual diretor-geral da PF é Márcio Nunes, amigo de Torres.

O ministro da Justiça, Anderson Torres, com Jair Bolsonaro - Adriano Machado - 18.mai.22/Reuters

Como mostrou a Folha, a ida de Torres aos Estados Unidos na comitiva com Bolsonaro foi decidida de última hora. Procurado, o ministro da Justiça não respondeu.

O que dizem os aliados do presidente Jair Bolsonaro sobre as conversas reveladas? Aliados do presidente acreditam que o que já saiu até o momento é fraco para comprometê-lo, como mostrou o Painel.

Um dos auxiliares do núcleo duro da campanha acredita que a inflação e a alta dos preços dos combustíveis continuam sendo um problema maior para as eleições em outubro. A remessa das investigações para o STF, no entanto, não é vista como um bom sinal.

Relembre, abaixo, outras ocasiões em que Jair Bolsonaro foi acusado de interferência ao longo de seu mandato.

INGERÊNCIA NA PF

Bolsonaro foi alvo de investigação em apuração aberta após o ex-juiz Sergio Moro deixar o Ministério da Justiça e acusá-lo de ingerência política na PF.

Na ocasião, o então diretor-geral da corporação tinha sido exonerado. Dois anos depois, a PF encerrou o inquérito e concluiu não haver indícios de que Bolsonaro interferiu para proteger aliados e familiares ao trocar o comando do órgão.

PETROBRAS

Pouco depois de a Petrobras anunciar reajuste no preço do combustível na última sexta (17), Bolsonaro e aliados dispararam ameaças de retaliação contra a empresa, seu então presidente e os demais executivos —entre elas a criação de uma CPI para investigá-los. Desde o início do atual governo, três nomes ocuparam a presidência da estatal.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

Disposto a eleger o líder do centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), para a presidência da Câmara dos Deputados —e colocar um potencial aliado no comando da Casa—, Bolsonaro admitiu intervenção do Poder Executivo na eleição do Legislativo e disse que, se Deus quisesse, iria influir na presidência da Casa.

Para fortalecer a candidatura do deputado, o governo prometeu cargos a congressistas e acenou com a liberação de recursos de emendas parlamentares em troca de apoio

RECEITA FEDERAL

Os sinais de interferência do Planalto na Receita Federal começaram no primeiro ano do governo. Em 2019, a pressão de Bolsonaro para a troca de nomes de dirigentes no órgão levou à queda do então subsecretário-geral da Receita, número dois da instituição, que vinha se posicionando contra ingerências políticas. Parte dos embates com o órgão tem como pano de fundo investigações envolvendo familiares do presidente.

INPE

Com a insatisfação de Bolsonaro diante do aumento do desmatamento na Amazônia, o presidente do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o físico Ricardo Galvão, responsável pela divulgação do dado, foi exonerado em 2019. O presidente queria que as informações fossem discutidas antes de serem tornadas públicas.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

O Ministério da Justiça foi mobilizado para entrar com um habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, intimado pelo STF para explicar ataques feitos à corte por ele. A petição, assinada pelo então ministro da Justiça, André Mendonça, foi considerada algo inusual, já que a tarefa, em tese, caberia à AGU ou a um advogado pessoal.

PGR

Em 2019, ao indicar Augusto Aras para a PGR (Procuradoria-Geral da República), Bolsonaro desprezou a lista tríplice votada por procuradores da República e tradicionalmente levada em conta pelos presidentes da República desde 2003. Apesar de uma tradição, a opção pela lista tríplice não é obrigatória.

AGU

Em diferentes momentos, Bolsonaro requisitou a AGU (Advocacia-Geral da União) para tarefas que podem ser consideradas uma extrapolação do escopo institucional do órgão.

Em 2020, o governo usou a AGU para entrar com ação no STF contra decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender contas de redes sociais de apoiadores do governo investigados em inquérito da corte.

LINHA DO TEMPO DO CASO MILTON RIBEIRO

18.mar.2022 - O jornal O Estado de S. Paulo publica reportagem sobre pastores que atuam junto ao MEC por liberação de verbas

21.mar.2022 - A Folha revela áudio em que o ministro Milton Ribeiro diz priorizar prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores Gilmar e Arilton, atendendo a uma solicitação do presidente Jair Bolsonaro. Revelação faz situação do então ministro se agravar

23.mar.2022 - O procurador-geral da República, Augusto Aras, pede ao STF a abertura de inquérito contra Milton Ribeiro para apurar suspeitas de prática dos crimes de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa

24.mar.2022 - A ministra Cármen Lúcia, do STF, autoriza abertura de inquérito contra Milton Ribeiro

28.mar.2022 - Milton Ribeiro é exonerado do Ministério da Educação e deixa carta em que afirma que revelação de áudio pela Folha fez sua vida mudar

4 abr.2022 - Polícia Federal pede ao STF para que houvesse interceptação telefônica e busca e apreensão sobre Milton Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton

12.abr.2022 - Complementação do pedido da PF para inclusão das medidas também contra Luciano Musse, ex-assessor do MEC

5.mai.2022 - Após a exoneração e perda de foro de Ribeiro, Cármen Lúcia manda processo para ser distribuído na 1ª instância da Justiça Federal

17.mai.2022 - Juiz Renato Coelho Borelli, da Justiça Federal do Distrito Federal, dá primeira decisão autorizando grampo telefônico, quebra de sigilo e buscas e apreensões no caso

9.jun.2022 - Em interceptação telefônica, Milton Ribeiro diz à filha que recebeu naquele dia um telefonema do presidente Jair Bolsonaro no qual ele teria dito estar com um "pressentimento" de que haveria busca e apreensão. Nesse dia, Bolsonaro estava nos Estados Unidos em companhia do ministro da Justiça, Anderson Torres

20.jun.2022 - Borelli autoriza medidas mais duras contra Milton Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. Para eles, foi determinada a prisão preventiva. Além disso, ele autoriza a prisão domiciliar de Luciano Musse e de Helder Bartolomeu, além de quebras de sigilo bancário

22.jun.2022 - A operação Acesso Pago é deflagrada e o ex-ministro é preso. Ligação interceptada pela PF mostra esposa de Milton Ribeiro afirmando que marido "não queria acreditar", mas os "rumores do alto" apontavam que uma operação iria ocorrer

23.jun.2022 - A Folha revela mensagem de delegado da PF responsável pelo caso em que ele afirma ter havido interferência na investigação. TRF-1 manda soltar Ribeiro e pastores

24.jun.2022 - O juiz Borelli determina o envio dos autos ao STF novamente, ao mencionar o telefonema em que Milton Ribeiro cita o presidente Bolsonaro

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