Rosa cita escândalos, refuta proposta do Congresso e vota no STF contra emendas de relator

Presidente do Supremo diz que mecanismo desequilibra processo democrático; votação será retomada nesta quinta

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Brasília

A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber, votou nesta quarta-feira (14) por vedar o uso das emendas de relator para atender a solicitações de parlamentares ou de pessoas externas ao Congresso.

O instrumento tem sido usado para barganhas políticas entre o Congresso e o governo federal. Pelo voto dela, as emendas só podem ser usadas para fins restritos, previsto na Constituição, de correção de erros ou omissões.

A leitura do voto da ministra, que tem mais de 90 páginas e que não foi apresentado na íntegra, durou toda a sessão do tribunal desta quarta. A corte retomará o julgamento nesta quinta (15) com o voto do ministro André Mendonça.

A ministra Rosa Weber, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal)
A ministra Rosa Weber, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) - Pedro Ladeira - 7.dez.2022/Folhapress

Ao votar, Rosa disse que o uso das emendas não está de acordo com princípios constitucionais e que elas violam a separação de Poderes e o direito à informação. Afirmou ainda que o instrumento desequilibra o processo democrático.

Para a ministra, são incompatíveis com a Constituição "as práticas orçamentárias viabilizadoras do chamado 'esquema do orçamento secreto', consistentes no uso indevido de emendas do relator-geral do orçamento".

Ela votou para determinar que os órgãos da administração pública que usaram recursos das emendas relator entre 2020 e 2022 publiquem em até 90 dias os dados referentes às obras e compras realizadas com as verbas, assim como identifiquem quem solicitou e foi beneficiado "de modo acessível, claro e fidedigno".

Também quer que ministros de Estado que foram beneficiados com os recursos orientem a execução dessas quantias para programas e projetos existentes em suas áreas, em vez de vincularem às indicações feitas pelos parlamentares.

Rosa é a relatora das quatro ações apresentadas por PSB, PSOL, Cidadania e PV contrárias às emendas, e os outros dez ministros do Supremo ainda vão votar no julgamento.

Após esta quarta, o STF só tem previsão de mais uma sessão de análise de ações antes do início do recesso do Judiciário.

"A utilização indevida das emendas parlamentares para satisfação de interesses eleitorais representa grave ameaça à concepção dos objetivos fundamentais da República, consistente em promover o desenvolvimento nacional equilibrado e sustentável, reduzir as desigualdades sociais e regionais e erradicar a pobreza e a marginalização", afirmou Rosa, em seu voto.

"A captura de recursos públicos por emendas parlamentares no Brasil não encontra paralelo na comparação com outros países", afirmou.

Na leitura do seu voto, a ministra fez um histórico de escândalos relacionados ao Orçamento para exemplificar como é necessária a transparência no uso dos recursos federais.

Ela citou, por exemplo, o chamado escândalo dos anões do Orçamento, esquema do início dos anos 1990 que culminou na instalação de uma CPI e afastamento de seis membros do Congresso, além de outros quatro que renunciaram ao mandato antes que a investigação fosse concluída.

Também mencionou a Máfia dos Sanguessugas, esquema de fraude em licitações para compra de ambulâncias com verba do Ministério da Saúde.

No início da sessão, Rosa já abriu com um recado que frustra as intenções dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ela afirmou que a proposta do Congresso para definir critérios de distribuição das emendas de relator não prejudica o julgamento das ações contrárias ao instrumento na corte.

A ministra afirmou que recebeu ofício de Pacheco nesta quarta noticiando a apresentação de projeto que "aprimora a indicação das emendas", instrumento usado para barganhas políticas entre o Congresso e o governo federal.

"Eu cumprimento o presidente do Congresso Nacional pelo ofício enviado a essa corte, ao demonstrar a abertura do parlamento, por meio de suas mesas, ao saudável e democrático diálogo interinstitucional", disse a ministra.

Afirmou que, contudo, "a louvável preocupação do Congresso Nacional de se debruçar sobre o tema" para ampliar a transparência das emendas apenas confirma a liminar (decisão provisória) que ela deu no processo, que chegou a suspender o uso da verba.

Acrescentou ainda que a proposta "confirma a impropriedade do sistema até então praticado".

"A iniciativa, porém, em absoluto prejudica o julgamento iniciado na assentada anterior", continuou Rosa, em sua fala. Segundo ela, o ofício é apenas uma "notícia de proposta legislativa em tramitação" para o futuro.

Em 2021, Rosa Weber determinou a suspensão do uso das emendas. Ela recuou da decisão um mês depois, após o Congresso apresentar uma série de medidas para dar mais transparência às emendas.

Os documentos entregues pelo Congresso ao STF em resposta às ações, em maio deste ano, seguiram sem dar transparência à destinação da verba política e driblaram decisão dos ministros da corte.

As planilhas protocoladas no Supremo se referiam a informações fornecidas por 340 deputados federais e 64 senadores, que representam 68% dos 594 parlamentares do Congresso. Além da falta de resposta de 190 parlamentares, muitos documentos entregues ao Supremo estão incompletos.

Em seu voto, Rosa Weber criticou a ausência dessas informações, que haviam sido cobradas por ela.

As emendas de relator, disse ela "foram consignadas no orçamento da União em favor de um grupo restrito e incógnito de parlamentares".

"Apenas o relator figura no plano formal como ordenador das despesas, enquanto os verdadeiros autores das indicações preservam o anonimato. Não apenas a identidade dos efetivos solicitadores, mas também o próprio destino desses recursos acha-se recoberto por um manto de névoas."

Durante a semana, o Congresso se movimentou na tentativa de manter as emendas.

Nesta terça (13), o presidente do Senado apresentou o projeto de resolução do Congresso propondo critérios para distribuição das emendas de relator do Orçamento que contemplem a proporcionalidade dos partidos e que concentram parte dos recursos nas mãos dos chefes das duas Casas legislativas.

A articulação do Legislativo visava dar um recado aos ministros para tentar esvaziar questionamentos na corte sobre a distribuição dessas verbas.

O texto proposto pelo Congresso e mencionado por Rosa Weber determina que o limite financeiro das emendas de relator não pode superar o total das emendas individuais e de bancada. Desse valor, segundo o projeto de resolução, pelo menos 50% deverão ser para ações e serviços públicos de saúde ou de assistência social.

Segundo a proposta, o relator-geral poderá realizar indicações para execução das emendas desde que sejam feitas exclusivamente por parlamentares, ainda que fundamentadas em demandas apresentadas por agentes públicos ou por representantes da sociedade civil.

A distribuição das emendas deverá obedecer a alguns parâmetros. Até 5% deverão ser provenientes de indicações conjuntas do relator-geral e do presidente da CMO (Comissão Mista de Orçamento).

No governo Jair Bolsonaro (PL), as emendas de relator foram usadas para destinar bilhões de reais em verbas do Orçamento da União para bases eleitorais de deputados e senadores, com pouca transparência e sem critérios claros para distribuição do dinheiro.

Essas emendas foram criticadas na campanha por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas viraram um instrumento de pressão nas negociações para a formação da base do futuro governo e para a aprovação da PEC da Gastança.

O QUE SÃO EMENDAS DE RELATOR?

São instrumentos usados pelo relator-geral da Comissão Mista de Orçamento do Congresso para destinar recursos federais a despesas de interesse de deputados e senadores.

Cada congressista tem direito a apresentar emendas individuais, dentro de certos limites. Bancadas estaduais e comissões permanentes do Congresso também têm direito a emendas. A Constituição define critérios para essas emendas e obriga o governo a executar as despesas previstas por elas.

As emendas do relator são reguladas por normas internas do Legislativo, alteradas todos os anos. Essas regras ampliaram muito o campo de atuação do relator, autorizando o uso das suas emendas para financiar quase todo tipo de despesa. A execução dessas despesas pelo governo não é obrigatória.

QUAL O PROBLEMA?

Os recursos separados pelo relator no Orçamento são distribuídos durante o ano de acordo com indicações dos parlamentares, sem transparência e sem critérios claros para divisão do dinheiro. Elas têm sido usadas para favorecer deputados e senadores alinhados com o governo e a cúpula do Congresso.

No caso das emendas individuais e das bancadas, a Constituição estabelece limites para aplicação dos recursos, exigindo que a maior parte seja destinada à saúde, e restringe os valores das emendas a uma fatia das receitas federais, para evitar sua expansão sem controle. Não há nada parecido no caso das emendas de relator.

Além disso, hoje o relator do Orçamento continua trabalhando depois que o Orçamento é aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República, interferindo o ano inteiro na execução das despesas ao definir onde os recursos reservados por suas emendas serão gastos, de acordo com as indicações que recebe.

PROPOSTA DE MUDANÇA DO CONGRESSO

O texto proposto pelo Congresso determina que o limite financeiro das emendas de relator não pode superar o total das emendas individuais e de bancada. Desse valor, segundo o projeto de resolução, pelo menos 50% deverão ser para ações e serviços públicos de saúde ou de assistência social.

Segundo a proposta, o relator-geral poderá realizar indicações para execução das emendas desde que sejam feitas exclusivamente por parlamentares, ainda que fundamentadas em demandas apresentadas por agentes públicos ou por representantes da sociedade civil.

A distribuição das emendas deverá obedecer a alguns parâmetros. Até 5% deverão ser provenientes de indicações conjuntas do relator-geral e do presidente da CMO (Comissão Mista de Orçamento).

Além disso, 7,5% ficarão a cargo do presidente do Senado e outros 7,5% serão distribuídos conforme indicações do presidente da Câmara.

O projeto prevê ainda até 23,33% para indicações de senadores, obedecendo à proporcionalidade partidária e formalizadas pelo líder do partido, e até 56,66% para indicações de deputados, conforme o mesmo critério de bancada partidária.

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